Resenhas

O Grande Mentecapto

Aos 23 anos, Fernando Sabino começou a escrever uma história sobre as andanças de um indivíduo, mas acabou deixando pra lá ao se envolver com outros projetos. Passados 33 anos, ele resolveu retomar a escrita da obra e a finalizou em apenas 17 dias. Assim nasceu O Grande Mentecapto, em 1979, apresentando aos leitores o icônico Viramundo e fazendo uma bela homenagem à Minas Gerais.

A narrativa, que se trata de um romance de formação, começa com Geraldo Boaventura ainda menino, nascido em Rio Acima, filho de um português com uma italiana, caçula de 13 irmãos. Ele não era uma criança popular, mas uma travessura – muito perigosa – faz com que vire o assunto da cidade, inclusive entre os adultos. Inicialmente aclamado pelo tal feito, sua atitude acaba desencadeando uma tragédia. Isso o transforma na ovelha negra de Rio Acima, e Geraldo acaba se isolando cada vez mais.

Já jovem, ele anuncia ao pai a intenção de ser padre, partindo então para estudar num seminário em Mariana. E é lá que começam as andanças do personagem, que a partir de agora será conhecido como Viramundo, o nosso grande mentecapto.

“Assim, carregaram-no até a entrada da cidade e o atiraram na poeira, dizendo, enquanto esfregavam as mãos:
– Vá baixar noutra freguesia!
Geraldo Viramundo ergueu-se, sacudiu a poeira da roupa e gritou de longe para os soldados:
– Deus vos livre da iniquidade, prebostes!
Voltou-lhe as costas, começando a palmilhar a longa estrada noite adentro, sob a claridade da lua e das estrelas. E foi assim que, aos dezoito anos, Geraldo se tornou Viramundo.” – Pág. 51

Como dito anteriormente, essa obra é uma ode à Minas, começando pelo fato de sermos levados à várias cidades mineiras onde o protagonista irá enfrentar diversos percalços. Ele é escorraçado de Mariana, vira mendigo em Ouro Preto, é internado num manicômio em Barbacena, preso em Tiradentes e tudo isso apenas citando alguns dos lugares por onde Viramundo passa.

Se você me perguntar se O Grande Mentecapto é um livro engraçado, eu direi que ele me fez rir, o que poderia classificá-lo como engraçado. Mas assim como outras grandes obras – como Dom Quixote e Cândido, ou o Otimismo -, ele esconde todo seu drama por trás das cenas que nos divertem.

A história de Viramundo é daquele tipo que nos faz questionar nossas reações a todo tempo: por que estou rindo da infelicidade desse pobre mentecapto? O que encontraremos aqui é a miséria humana retratada como algo aparentemente cômico mas que fica ainda mais dramático quando percebemos que não deveríamos estar nos divertindo com aquilo. Ou seja, Sabino une tragédia e comédia de forma magistral, um dos motivos que me levaram a comparar essa com as obras acima citadas.

Mas esse não é o único ponto que me pareceu similar às história de Cervantes e Voltaire, há também o enredo focado nas andanças do personagem principal. Da mesma forma que Dom Quixote anda pela Espanha e Cândido anda pelo mundo, Viramundo anda por Minas Gerais. E tem mais! As três obras nomeiam seus capítulos como um tipo de “resumo” do que acontecerá nas próximas páginas, por exemplo, o primeiro capítulo de O Grande Mentecapto é:

“De como Geraldo Viramundo, tendo nascido em Rio Acima, foi parar no seminário de Mariana, depois de virar homem, levado por um padre que um dia passou por lá.” – Pág. 9

Um aspecto que me sinto extremamente à vontade para comentar, diz respeito à ambientação. Eu sou mineira, nascida e criada em uma das cidades citadas no livro e frequentadora assídua de muitas outras, por isso posso dizer que Sabino fez um retrato fiel de cada uma dessas várias Minas Gerais. Sim, são muitas Minas dentro de um só estado, e o autor passa perfeitamente essas diferenças, o clima e até o espaço físico de cada uma delas. Também não é pra menos, já que o autor é mineiro como eu!

A história é narrada em 3ª pessoa, através de um narrador onisciente, ou seja, ele tem conhecimento de tudo o que acontece, até do que os personagens pensam e sentem. A narrativa é fluida, completamente imersiva e muito cativante. Você vai terminar a obra querendo passear por onde Viramundo andou. Isso, claro, depois de secar as lágrimas porque, ô livro triste. Eu ri sim, mas chorei muito mais.

Apesar disso, não é uma leitura pesada, feita pra te deixar mal. Ela é feita pra te fazer refletir, e o que é melhor do que um livro que tem o poder de nos propor questionamentos que nos tornam melhores? Portanto, não tenha medo de acompanhar Viramundo em suas andanças. Pegue em sua mão e o siga, de coração aberto, pra onde ele te levar.

Título original: O Grande Mentecapto
Autor: Fernando Sabino
Páginas: 254
Editora: Record
Nota: 4/5

Um comentário

  • Kelly Oliveira Barbosa

    Olá Michelly! Toda vez que passo por aqui fico encantada com seu blog. Acho que é o blog literário mais bonito que eu conheço. Parabéns!

    Olha, assim que li sua resenha já adicionei esse livro para próximas leituras. Eu nasci em SP, mas moro em MG há muitos anos e amo amo esse estado. Portanto, me senti intimada a ler esse livro.

    Abs.

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