Resenhas

Helena

Machado de Assis foi o fundador do Realismo no Brasil e suas obras mais conhecidas pertencem à essa escola. Mas ele também escreveu quatro romances durante o Romantismo, sendo um deles a história da moça bastarda que vai morar na casa da família do pai quando este falece. Ela é Helena, a protagonista que empresta seu nome ao terceiro romance de Machado, publicado em 1876, originalmente em forma de folhetim.

Como é costumeiro nas obras do autor, o narrador se dirige diretamente ao leitor, o que nos aproxima da história dando a impressão de uma conversa entre amigos. E como a narrativa é em terceira pessoa, ao mesmo tempo em que temos uma visão geral de tudo, por outro lado não temos acesso a todos os pensamentos dos personagens. Por esse motivo em muitos momentos paira no ar uma dúvida sobre as reais intenções de cada um.

Os conflitos internos são muito presentes na obra e acabam moldando o psicológico dos personagens, o que também é característica de Machado de Assis. Em Helena, isso normalmente acontece a partir do embate entre dever e vontades, tendo em vista que a história é ambientada em uma sociedade cujos conceitos morais eram extremamente rígidos.

Se bem que, tendo o incesto como tema central do romance, Machado não precisaria viver em 1800 para chocar a sociedade. Sim, ao ir para a casa de seu falecido pai, Helena conhece e encanta Estácio, seu meio-irmão. A partir daí as engrenagens da trama começam a girar e se mostram capazes de entreter e propor reflexões de uma forma que apenas os grandes mestres da literatura conseguiram.

Uma só coisa pareceu menos aprazível ao irmão: eram os olhos, ou antes o olhar, cuja expressão de curiosidade sonsa e suspeitosa reserva foi o único senão que lhe achou, e não era pequeno. – Pág. 239

Com uma forte carga dramática e sentimentos exacerbados, Helena também apresentará uma importante característica das produções de sua época: o escapismo, representado claramente pelo seu final arrebatador. Mas, apesar de trazer inúmeras características do período romântico, Machado já demonstrava uma tendência ao que seria o Realismo.

Helena, apesar de doce e solícita, tinha também um senso prático bastante aguçado. Além disso, nas entrelinhas de seu texto o autor deixa transparecer comportamentos e intenções menos altruístas do que aquelas costumeiras nas produções do Romantismo. Isso pode ser observado, inclusive, quando levamos em conta o tema central da trama, algo direto demais para os romances idealizados da época.

É necessário que o leitor tenha em mente que Helena foi escrito no século XIX e representa aquela sociedade. Portanto, por mais que alusões à atualidade sejam válidas como forma de exercer a crítica inerente a todo ser humano, não cabe julgar personagens e escolhas do autor com base no presente. Com relação à isso, lembre-se do conselho do próprio Machado quando diz que “cada obra pertence ao seu tempo”. A leitura que respeita e tenta compreender, de fato, o contexto em que uma obra está inserida é mais do que um exercício de tolerância, é sinal de que somos capazes de aprender com o passado, e não apenas criticá-lo.

Entre tantas narrativas geniais deixadas pelo grande mestre da literatura brasileira, Helena talvez seja a mais romântica delas, considerada pelo próprio sua preferida dentre as produzidas durante o Romantismo. Mas não é somente a história que merece sua atenção, você também merece conhecê-la.

Autor: Machado de Assis
Editora: Nova Fronteira
Nota: 5/5

  

12 Comentários

  • Tamires Marins

    Oi, Michelly

    Esta obra de Machado eu não cheguei a ler, confesso que nem lembrava que havia uma abordagem de incesto.
    Gostei muito do que você falou sobre ter em mente a época em que a obra é ambientada. Muitas vezes vejo grandes equívocos, onde querem criticar uma obra utilizando-se de valores adquiridos décadas/séculos depois da publicação da obra em questão.
    Gostei muito da resenha!

    Beijocas
    – Tami
    https://www.meuepilogo.com

    • Michelly Santos

      Oi Tami!
      A gente meio que deixa passar as obras dele do período romântico, mas elas são tão sensacionais quanto as do Realismo!
      Também considero isso o que você falou como um equívoco. A sociedade evolui e é importante que a gente não cometa os mesmos erros do passado, mas medir o passado com a régua do presente chega a ser cruel.
      Obrigada pelo comentário!
      Beijos!

  • Aléxia Macêdo

    Oi Michelly, estou muito encantada com seu blog: as fotos, o layout e especialmente a qualidade de sua resenha, explicando bem sobre o contexto no qual o livro foi escrito. Eu comecei a ler Helena em 2015, no meu ano de vestibular, lembro que estava gostando muito da história, mas não consegui concluir. Até hoje tenho curiosidade de pegar novamente o livro para ler do inicio ao fim, sua resenha me deixou com ainda mais vontade de fazer isso!

    • Michelly Santos

      Muitíssimo obrigada, Aléxia! Fiquei super feliz com seu carinho! <3
      Quando você tiver oportunidade, termina Helena. Acho que você vai gostar!
      Beijos!

  • Monique

    Eu deveria ler mais desses clássicos da literatura nacional, estou em falta.. mas espero me atualizar em breve. Com certeza as histórias tem muito a nos ensinar.

    • Michelly Santos

      Oi Monique!
      Eu acho que toda literatura tem seu valor mas com certeza tenho os clássicos como as grandes joias da literatura. Quando são os brasileiros, então! Eles são a melhor forma de visitarmos o passado!
      Beijos!

  • Clayci Oliveira

    Eu só foi entender a riqueza nas histórias do autor, depois de adulta.
    Na escola, por obrigação, lia para ganhar nota. Então não prestava atenção da forma que deveria <3 Ainda bem que dei uma nova chance

    • Michelly Santos

      Oi Clayci!
      Pois é, acho que é assim com todo mundo. As histórias de Machado têm uma ironia e umas mensagens nas entrelinhas que é necessário uma certa maturidade para entendermos.
      Eu até gostei de Dom Casmurro quando li na escola, com uns 13 anos, mas eu já tinha muita proximidade com os livros naquela época. Lembro que fui a única que gostou, a maioria da sala, na verdade, lia só os resumos.
      Ainda bem que você deu uma nova chance mesmo! Todo mundo poderia seguir seu exemplo! 🙂
      Beijos!

  • Lídia

    Oi Michelly, eu tenho o livro Helena aqui na estante. É uma romance lindo, mesmo que algumas pessoas não conseguem gostar da escrita do Machado. Como você disse tem que ter a mente aberta para romances do Machado. No cursinho que fiz consegui entender muitas coisas sobre ele.

    Até mais!

    • Michelly Santos

      Oi Lídia!
      Nós somos obrigados a ler Machado na escola, quando muitas vezes ainda não estamos preparados para uma narrativa mais densa como a dele, aí ficamos com essa impressão ruim do autor. O que é uma pena porque ele é maravilhoso! 🙂
      Beijos!

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