Resenhas

O que é fascismo? E outros ensaios

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Eric Arthur Blair, mais conhecido como George Orwell, é um dos autores mais respeitados no mundo inteiro, o que é totalmente justificável. Através de sua obra, cujo forte engajamento político é evidente, ele se apresenta como um crítico de qualquer sistema que represente algum risco às liberdades, mas, o que é muito importante, sempre sendo honesto com o leitor.
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Orwell é muito claro em suas opiniões, mas também é claro ao avisar, desde o início, que dará tais opiniões, fazendo o movimento inverso dos autores que escondem suas intenções para manipular as conclusões dos leitores. Nesse ponto, cito o próprio autor que afirma, logo no primeiro ensaio da presente obra, que “se eu acho que este livro não é confiável onde ocorre de eu conhecer os fatos, como posso confiar nele onde não os conheço?”. E é justamente dessa armadilha que ele tenta, com sucesso, escapar.
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Além disso, George Orwell também merece ser celebrado por seus textos extremamente inteligentes e fluidos. O autor possui uma capacidade invejável de passar sua mensagem de forma clara mesmo que através de um texto rebuscado, o que é, inclusive, o trunfo de O que é fascismo? E outros ensaios, sobretudo se levarmos em consideração a forma confusa com que o organizador da obra, Sérgio Augusto, fez suas escolhas.

Mas os textos de Orwell, mesmo quando não organizados da melhor forma possível, são incríveis e brilham por si só.
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Ao todo são 24 ensaios, sendo 6 deles resenhas. Entre elas, a que mais chama a atenção refere-se à Mein Kampf, controverso livro escrito por Hitler. Há um ponto de convergência entre essa resenha e o ensaio imediatamente anterior à ela, o que nos permite dizer que os dois textos se complementam. Na análise de ambos, fica subentendido que Orwell subestimava o potencial destrutivo do ditador nazista, o que é corroborado quando ele afirma que até a ascensão de Hitler ao poder, ele foi “enganosamente levado a pensar que ele [Hitler] não tinha importância”.
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George Orwell critica, inclusive, os críticos do nazismo, não por ser favorável ao regime mas por observar que os que apontavam os dedos também praticavam suas próprias formas de segregação, como a escravidão inferida do próprio título do ensaio “sem contar os crioulos”.
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Em outro momento, ele se utiliza do exemplo de Mussolini para alertar sobre o malefício de transformar julgamentos de líderes políticos em grandes espetáculos sob pena de romantizar uma situação a ponto de transformar um canalha em um mártir. Ainda nesse contexto, o autor chama a atenção para o fato de que toda ideologia usa de artifícios como o eufemismo para minimizar tanto suas intenções quanto o resultado de suas ações.
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As outras resenhas tratam de obras de autores que fazem companhia a Orwell no rol dos clássicos mundiais: Frank Jellinek, Joseph Conrad, Zamyatin, Oscar Wild e T. S. Eliot. Além disso, o autor tece comentários sobre as biografias de Tolstói, Dickens e Joyce; compara obras importantes da literatura policial, inclusive citando Sherlock Holmes e Arsène Lupin; e faz uma crítica interessante ao filme O Grande Ditador, de Chaplin.
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Orwell também demonstra um profundo conhecimento de sua língua ao realizar uma análise minuciosa da escrita de W. B. Yeats. Já ao refletir sobre algumas obras distópicas de sua época, escritas por nomes como Jack London, H. G. Wells e Aldous Huxley, o autor se mostra um homem cujas convicções ideológicas estavam em transformação.
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O tão esperado ensaio que empresta seu nome ao título do livro está situado no meio da obra, exemplificando uma das decisões equivocadas no que diz respeito à organização feita por Sérgio Augusto. Apesar de não definir o que é fascismo, como promete, o texto resume a intenção dos outros ensaios e por isso caberia melhor no final do livro. Nele, Orwell justifica a dificuldade em conceituar o fascismo devido a apropriação do termo por vários grupos sociais que o usam de forma simplória, apenas como uma forma de ataque.
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A edição da Companhia das Letras segue o mesmo estilo das outras obras do autor publicadas pela editora. Além dos ensaios, também encontramos um Prefácio escrito por Jorge Augusto.
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No geral, esse livro me despertou várias reflexões, entre elas a que já conversei com vocês aqui. Se a intenção de George Orwell era transformar textos políticos em arte, ele conseguiu. E com louvor.
Autor: George Orwell
Editora: Companhia das Letras
Nota: 4/5

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