Dedo de prosa

O hábito da leitura

Recentemente falei aqui sobre como podemos incentivar os pequenos a mergulhar de cabeça no fantástico mundo da literatura. É ponto pacífico que quando somos inseridos em um determinado contexto desde cedo, fica mais fácil nos adequarmos a ele. Portanto, quanto mais cedo temos contato com os livros, maior é a probabilidade de que eles sejam parte importante em nossas vidas.
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Mas ainda há tempo se você não teve esse incentivo ou, mesmo tendo, não se interessou pelo assunto e agora percebeu que a literatura pode ser muito mais que um hobby delicioso, mas também fonte de conhecimento, de informação e de saúde. Saúde, sim. De acordo com pesquisas na área da neurociência a leitura é considerada uma prática terapêutica que previne o Alzheimer haja vista que ela desenvolve áreas do cérebro responsáveis pela memória, concentração e fala.
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Ou seja, você tem inúmeros motivos para querer se tornar um leitor, contudo, por onde começar?
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Particularmente, não acredito em fórmulas milagrosas do tipo “10 passos para aprender a gostar de ler”. Por exemplo, há quem diga que ler um pouco todo dia acaba virando uma prática. Acontece que gostar de ler não é o mesmo que ter a leitura como parte da sua rotina. Se você não está com a mínima vontade de realizar uma atividade naquele momento e se obriga a fazer isso para criar o hábito, corre o sério risco de transformá-la em algo chato. Lembre-se: você não quer mais uma obrigação, mas sim um hobby.
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Mas, calma aí, isso não significa que uma pessoa não possa se tornar um leitor. Eu só disse que fica difícil ensinar alguém a gostar de ler através de fórmulas pré-definidas, como se fosse uma equação matemática pois é óbvio que não é. O melhor é que cada um teste vários métodos até descobrir o que é melhor para si.
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Uma coisa é certa, se você quer aderir ao hábito da leitura, significa que o mais importante já está presente: a vontade. Nós somos movidos por nossas vontades, por nossos sonhos, nossas aspirações, e é muito mais fácil correr atrás daquilo que queremos do que fazer algo apenas porque temos que fazer.
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Claro que nós somos seres plurais e completamente diferentes entre si e esse lance de se obrigar a ler um pouco todo dia, que eu chamo de “método de choque”, pode, sim, funcionar, então não custa tentar. Para isso, que tal começar estabelecendo uma meta de leitura diária, mesmo que pequena, e tentar cumpri-la inclusive naqueles dias em que não está muito afim?!
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Mas se o método de choque não funcionar, que tal tentar algo mais relax como folhear um livro nos seus momentos de folga?! Leia a primeira página, crie uma intimidade com esse objeto que, infelizmente, para muitos ainda é tão distante. Aos poucos você pode ir se interessando pelo conteúdo, tendo vontade de continuar e, assim, devagar, lendo quando der vontade, pode nascer um leitor. Tenha em mente que, se já existe uma predisposição de sua parte para aderir ao hábito da leitura, volta e meia você vai querer colocar isso em prática, e aí é só aproveitar esses momentos.
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Pais e mães podem, ainda, testar outra forma de adentrar no mundo dos livros, fazendo isso através de seus filhos. Leia para eles. Além de incentivá-los, é possível que suas reações espontâneas lhe ensinem muito sobre a beleza da literatura. Leve em consideração também que ler para os pequenos vai trazer esse hábito para dentro da sua  própria vida e aí você pode passar do costume de “ler para eles” para o de “ler para você mesmo”. A rotina já terá sido estabelecida, só mudará o sujeito. E se no final não der certo, você fez algo de bom para suas crianças.
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Como falei no início desse texto, não é minha intenção aqui entregar fórmulas mágicas para que alguém descubra o amor pela literatura, mas sim ajudar quem quiser descobrir seu caminho. Sendo assim, além da vontade, existem dois outros elementos fundamentais nessa busca: flexibilidade e persistência.

A história ou a narrativa não te cativaram? Larga esse livro e vai em busca de outro. Existem incontáveis obras no mundo e uma coisa eu garanto, você vai encontrar várias que te agradem. Mas também têm as que você não vai gostar e, ao contrário do que muitos pensam, não é pecado desistir de um livro.

É claro que antes de desistir é necessário verificar se não está funcionando mesmo ou se tem algo se intrometendo entre você e seu livro. Pode ser só um dia ruim ou talvez você nem queria estar lendo naquele momento, e aí não vai funcionar mesmo. Também não adianta ler somente a primeira página de todos os livros e achar que é o suficiente para julgá-los. Me ajuda a te ajudar.

O importante é saber a dose certa. Muito remédio pode te matar, pouco não fará efeito, mas a dose certa cura. Se pensarmos mais profundamente, percebemos que até o amor precisa ser dosado, portanto não seria diferente com o esforço que fazemos em prol de um objetivo.

Mais um exemplo pra ficar ainda mais claro: ao provar uma comida, você coloca uma porção na boca ou põe só a pontinha da língua? Se respondeu a segunda opção, sinto te informar mas você não provou a comida e não sabe realmente o gosto que tem. Logo, se você não se concentrou na leitura de um livro, não se esforçou para entender a história e só leu duas páginas, você não pode dizer que o livro não é para você.
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Às vezes acontece do início de uma narrativa parecer chata e depois ela ficar maravilhosa. Eu mesma já tive essa experiência várias vezes, inclusive com um de meus livros favoritos da vida, que é O Nome do Vento. Só fui gostar de verdade da história por volta da página 100. Sim, 100. Tudo bem que ele tem mais de 600 páginas então eu precisei ir um pouco além para definir se seria um livro para mim ou não. É claro que se o livro que você está tentando ler tem 200 páginas, não é necessário ir até a centésima para entender que não gostou. Por outro lado, se está lendo algo de 1.000 páginas, é muito provável que somente as 20 primeiras não te digam muita coisa. Ou seja, saiba dosar sua persistência naquela história e tenha flexibilidade para desistir e partir para outra, se for o caso.
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Portanto, se quiser mesmo se tornar um leitor, experimente vários métodos, vários livros, vários gêneros. Tenha foco e persistência que você consegue. Não com fórmulas mágicas, não com alguém dizendo o que você deve ou pode fazer, mas descobrindo seu próprio jeito.
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E aí eu peço licença para falar algo que extrapola um pouco o tema mas que considero importante. Na verdade, com persistência, flexibilidade, trabalho e força de vontade você alcança qualquer objetivo, seja ele tornar-se um leitor ou mudar de vida. Sua vida não depende de mim, ou de um governante, ou de sua família ou de qualquer outro fator externo. Depende de você e do esforço que está disposto a fazer, independente da sua situação. Você consegue.
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Não deixe ninguém te fazer acreditar que é um coitado porque pra uns as coisas são mais fáceis mesmo, mas pra outros são mais difíceis. Mas se apegar à questões que não dependem de você é a receita do fracasso. Se acreditar em quem diz que você é um coitado, será sempre um coitado. Basta parar de olhar para as barreiras que você percebe que elas não são intransponíveis como pensava. Você as ultrapassa e consegue chegar lá, consegue ter uma profissão, consegue prosperar, consegue melhorar de vida.
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E se consegue tudo isso, consegue também adquirir não só o hábito, mas o amor pela leitura. Aí sim você pode dizer, com muito orgulho: sim, eu sou um leitor.

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