Dedo de prosa

A crise das livrarias no Brasil

Recentemente os brasileiros se depararam com a notícia de que a Cultura, uma das grandes livrarias do país, entrou com pedido de recuperação judicial, que é uma medida jurídica para evitar a falência da empresa. Ao mesmo tempo tomamos conhecimento sobre os resultados preocupantes da Saraiva, a qual apresentou um prejuízo de R$37,6 milhões. A notícia se espalhou rapidamente no universo literário, deixando o público leitor apavorado diante da possibilidade de perder duas das maiores livrarias do país.

A comoção nas redes sociais é válida e demonstra que existem pessoas interessadas em literatura no Brasil mas, infelizmente, muitas vezes o debate fica superficial e não mostra a real situação. Sendo assim, passemos a uma análise fria dos fatos que nos possibilite enxergar o problema como um todo e perceber que nem tudo está perdido.

Há alguns anos o Brasil vem passando por uma crise que acabou por afetar o já reduzido mercado livreiro do país, cujo volume de vendas vem apresentando queda de cerca de 3% ao ano. Há seis anos também ouve uma grande mudança para esse nicho, que foi a vinda da Amazon para o país.

É certo que os preços mais atrativos da empresa norte-americana acabaram por conquistar os consumidores, mas a Amazon só pratica essa política de preços porque seu fundador e CEO, Jeff Bezos, tem como foco não o lucro imediato, mas a expansão do mercado. Para colocar em prática essa estratégia de longo prazo, a empresa desenvolveu um algoritmo que iguala seu preço ao mais baixo encontrado na internet, inclusive se isso significar prejuízo. O resultado é que eles sempre têm margens apertadas, mas em compensação vêm dominando o mercado.

Outra premissa de Bezos é copiar o que deu certo em outras empresas. E nesse ponto, porque as livrarias não poderiam copiar também o que dá certo na Amazon? Além de questões técnicas e burocráticas, o excelente atendimento ao cliente, por exemplo, é algo que faz diferença na escolha do consumidor e fideliza o cliente.

Tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei que visa instituir um preço fixo para os livros no Brasil. Esse método consiste em restringir o desconto de um livro em no máximo 10% no primeiro ano de sua publicação, o que é claramente direcionado à Amazon. Acontece que encarecer o acesso aos livros não ajuda em nada um mercado que já está passando por graves problemas, além do mais muitos consideram essa prática como um obstáculo ao conhecimento.

Ademais, a grande maioria da população não pode ser prejudicada para solucionar o problema das livrarias, sendo que parte da responsabilidade pelos resultados ruins é também a má gestão de muitas delas. Fato é que muitos leitores só têm acesso aos livros graças às famosas promoções da Amazon, portanto não faz sentido perseguir uma empresa por vender barato e, consequentemente, punir seus consumidores.

Melhor seria incentivar as livrarias a desenvolver métodos para serem mais competitivas, apostando em inovação e dando mais atenção ao que o novo mercado de consumo pede.

As editoras também foram atingidas pela crise pois algumas livrarias não estão conseguindo arcar com seus compromissos financeiros. Uma das estratégias desse nicho têm sido investir em e-books, os quais economizam matéria-prima e têm um custo menor de produção. Outra tática é a venda direta ao consumidor através da internet ou de feiras.

Uma revisão na política tributária brasileira também seria bem-vinda para desafogar vários setores da sociedade, inclusive as editoras e livrarias. Mas os livros não são isentos de impostos?

A imunidade tributária prevista na Constituição para livros, jornais, revistas, periódicos e ao papel adquirido para sua impressão, alcança somente os impostos incidentes na operação, como IPI e ICMS. Mas há ainda uma enorme carga tributária a que as editoras e livrarias são submetidas, como aqueles incidentes sobre o lucro e as contribuições sociais, por exemplo.

Some a tudo isso que já foi dito, o custo de produção de um livro, o prejuízo com o estoque encalhado, a distribuição ilegal de livros gratuitos na internet, a má qualificação de alguns profissionais, a regulação excessiva por parte do Estado, e teremos a real dimensão do problema.

Ou seja, a crise nas livrarias não acontece apenas pelo poder da Amazon, muito menos porque as pessoas não compram em livrarias físicas. Tanto porque pagar mais caro em um livro em uma determinada loja é uma opção de quem quer, de certa forma, incentivar aquela livraria (seja grande ou pequena) mas nunca é uma obrigação do consumidor que tem total liberdade de escolher gastar seu dinheiro onde lhe convier.

Todo problema tem como cerne um conjunto de questões e fazer uma análise racional é sempre a solução mais efetiva. Obviamente, uma notícia como o fechamento de livrarias é terrível para nós, leitores. Mas apenas reclamar e propagar soluções superficiais não ajuda em nada uma situação tão séria, que deve ser analisada em seus pormenores.

Se você tem condições de comprar em livrarias físicas e quer dar essa força à elas, faça isso. Mas saiba que a solução passa por caminhos mais longos e mais tortuosos, mas que também dependem de nós e da forma que enxergamos o mundo. Às vezes é necessário expandir os horizontes e abrir mão de velhos conceitos porque quando algo não está dando certo, não adianta insistir no erro. Com renovação e esforço, tenho certeza que passaremos por mais essa turbulência. Tempos melhores virão.

6 Comentários

  • Kelly Oliveira

    Oi Michelly, cheguei rs!

    Primeiro, parabéns pelo novo espaço. Ainda não consegui explorar tudo, mas ficou lindo. O seu blog, esteja onde estiver, é um diferencial para mim.

    Quanto ao texto, gostei da ponderação. Eu não sou do tipo apegada não. Se fecharem é triste, mas, tenho certeza que outras lojas físicas ou virtuais com novas propostas se abrirão. É o caso da Cosac, fechou? Fechou. Mas a realidade brasileira é que poucos leitores tem R$50,00 (estou sendo razoável) para dar em uma única edição. Como diz meu chefe “Não tem competência, não se estabeleça”. Seja no ambiente físico ou virtual, cabe aos empresários estabelecer sua estratégia. Sempre terão de lidar com riscos e mudanças.

    Como você disse, não seria nada mal se (não só as livrarias) algumas empresas começassem a aprender um pouco com a Amazon. Eu sou uma cliente tão fiel que quase nunca olho preço em outro lugar (e estou começando a me interessar pelas outros segmentos lá dentro “eletrônicos” etc etc).

    O mercado no Brasil é muito preso. É muito imposto e muito mimimi… por isso que não vai para frente.

    🙂

    PS. Saraiva é um simbolo se desilusão para mim. Nunca tive sorte em comprar lar. De sujos a amassados, já passei por tudo. Agora, é só amazon, amazon, amazon rsrs.

    • Michelly Santos

      Tava esperando esse comentário! kkkkkk…
      Concordo com você (como sempre)! Acho muito triste se alguma dessas livrarias fechar as portas mas também sei que o mercado se renova de uma forma ou de outra. Eu também compro muito mais na Amazon, a não ser edições que são exclusivas de outra loja, como as vezes acontece. Também tento comprar em livrarias físicas sempre que visito alguma mas os preços são realmente muito diferentes e aí fica difícil…
      Eu comprava muito na Saraiva antes da Amazon vir pro Brasil e o serviço que eles prestavam era muito bom! Aí, quando a Amazon chegou ao invés deles melhorarem pra competir, pioraram… Meus pedidos lá passaram a atrasar,a vir sujos como você falou. Aí eles também têm que nos ajudar a ajudá-los, né?! kkkkkkk
      Obrigada pelo seu comentário e pelo carinho! <3
      Beijos!

  • Letícia Thaís

    Eu acho que uma possível solução do problema seria as livrarias diminuírem os preços dos livros, eu mesma compro na Amazon pois é muito caro na livraria física além de que o atendimento não foi muito bom quando fui em uma livraria física, eu compro também nas Lojas Americanas que é bem mais barato , e ter uma divulgação maior com mais promoções seria ótimo também .

    • Michelly Santos

      Verdade, Letícia!
      Nesse momento acredito que as livrarias devam buscar mudanças não só na forma de chegar até o cliente mas também na própria política da empresa. O atendimento é algo primordial também que, como falei no artigo, fideliza o cliente. Às vezes a gente até prefere comprar mais caro em um lugar por causa do atendimento!
      Obrigada pela opinião!
      Beijos!

  • Marcele

    Post bastante informativo. É importante saber a fundo o que está acontecendo. O país entrou em declínio, e com a crise afetando a cultura de um modo geral, o que será de nós e das gerações futuras. Parabéns pelo conteúdo belíssimo e extremamente necessário.

    • Michelly Santos

      Oi Ma!
      Temos que nos esforçar para encontrar soluções para os problemas que estão sendo gerados há anos, não dá mais pra esperar, né?! 🙂
      Muito obrigada pelo carinho e apoio de sempre!
      Beijinhos!

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