Resenhas

Frankenstein

O ano era 1816. Numa noite de tempestade um grupo de amigos decide se desafiar a escrever histórias de terror. Eis que daí nasce a ideia para um dos maiores clássicos da literatura de todos os tempos, Frankenstein, escrito por Mary Shelley e lançado, finalmente, em 1818.

O personagem título, ao contrário do que muitos pensam, não é a criatura feita com partes de cadáveres mas sim seu criador, o jovem estudante de medicina, Victor Frankenstein. Ao se dedicar ao estudo da filosofia natural, Victor se vê completamente absorvido pelo audacioso projeto de criar um ser e imbuí-lo de vida.

Acontece que, logo que alcança seu objetivo, o estudante fica horrorizado e abandona a criatura à própria sorte. Frankenstein passa, então, a viver num constante tormento causado pelo arrependimento de ter brincado de Deus. A criatura, por sua vez, forja seu caráter no abandono e rejeição de uma sociedade que não estava preparada para recebê-lo. Assim temos o principal elemento de horror da história: a destruição de um homem e o surgimento da maldade.

Interessante observar que o título completo dessa obra, Frankenstein ou O Prometeu Moderno, remete exatamente ao caminho que a autora pretendia trilhar com seu protagonista. Segundo a mitologia, Prometeu foi um titã que roubou o fogo dos deuses e, por isso, sofreu a punição de ter seu fígado comido diariamente por uma águia durante trinta mil anos. Pois assim como Prometeu, testemunhamos a queda de Frankenstein, que definha diante dos olhos do leitor por consequência de seus atos.

Como todo clássico, a obra de Mary Shelley permanece atual e nos propõe reflexões importantes, sendo uma delas sobre limites. Só porque algo é possível, significa que deve ser feito?

Ao infligir tamanho castigo a seu protagonista, parece que a autora reflete sobre o fato de que, mesmo de forma inconsciente, nossos atos podem ser extremamente destrutivos. É a glória que interessa a Frankenstein e ele não pensa em mais nada além de seu projeto macabro. Sua única preocupação é vencer a morte enquanto todos os riscos de seu empreendimento são ignorados.

Uma discussão ainda mais profunda diz respeito aos motivos que levam um homem a se corromper. A criatura de Shelley é um ser completamente solitário. Durante toda a narrativa ele é chamado de monstro ou demônio, não tendo direito sequer a receber um nome.

Mesmo assim não acho justo culpar a sociedade pelas maldades que ele comete no decorrer da história. A infelicidade não é justificativa para o mal, assim como o sofrimento não legitima ninguém a cometer atos impiedosos. Por certo que as constantes rejeições sofridas pela criatura instigaram nele sentimentos de ódio e vingança, mas não é por isso que devemos isentá-lo de seus crimes.

Fato é que nessa história não existe mocinho nem vilão. Shelley presenteou os leitores do mundo inteiro com um texto magnífico, poético e reflexivo. Um texto que, mesmo diante de extensos monólogos, não entedia.

Os sentimentos de não pertencer a lugar algum e de não ser amado por ninguém, chegam a ser esmagadores em alguns pontos da narrativa, sobretudo na parte em que a criatura se dedica a contar sua história. Sua busca por companhia é uma das coisas mais tristes que já li. Como disse anteriormente, não perdoo seus crimes, mas também não pude deixar de sentir compaixão por esse que é um dos personagens mais miseráveis da literatura.

Já a construção de Victor Frankenstein me lembrou muito a de um outro famoso personagem: o Raskólnikov de Dostoiévski, em Crime e Castigo. Mas nesse ponto preciso dar os créditos à Stefanie, do canal e blog Mundos Impressos.

Explico.

Durante toda a leitura senti como se já conhecesse Victor, como se já tivesse lido alguma história em que ele fazia parte, mas obviamente era só uma sensação mesmo. Primeiro achei que estava fazendo algum tipo de ligação da narrativa de Shelley com a das irmãs Brontë, que escreveram em épocas muito próximas. Mas era mais que isso. Então assisti o vídeo da Stefanie e percebi que a ligação que eu fiz durante a leitura foi exatamente essa, de Raskólnikov com Frankenstein!

E faz muito sentido. Ambos os personagens vivem atormentados por atos que cometeram no passado e ambas as narrativas nos contam a derrocada desses personagens. A percepção dessa similaridade com um livro tão querido me fez gostar ainda mais da história de Mary Shelley.

O esmero da Darkside chama a atenção. Além da capa dura e das ilustrações que traduzem perfeitamente o clima da história, a edição traz extras que aperfeiçoam o conteúdo: uma introdução escrita por Márcia Xavier de Britto, responsável também pela tradução da obra; um prefácio à edição de 1818 e uma resenha sobre a história, ambos de autoria de Percy Bysshe Shelley, marido de Mary; uma introdução à edição de 1831, escrita pela própria autora; e mais 4 contos assinados por Mary Shelley e precedidos de uma introdução de Carlos Primati, um dos grandes especialistas em cinema de horror do Brasil.

Conversaremos sobre os contos numa outra oportunidade. Por hora, fica a indicação desse livro incrível, que entretém e estimula reflexões que só têm a acrescentar ao leitor.

Autora: Mary Shelley
Editora: Darkside
Nota: 5/5

16 Comentários

  • Michelly Santos

    Oi Nanda!
    Eu tô mais atrasada que vc, só li esses livros em 2017! Mas amei os três e considero os grandes clássicos do horror também, e eu até acrescentaria Poe nesse grupo.
    Esse ano vou ler Lovecraft, outro grande nome da literatura, e minha expectativa é que ele também fará parte do grupo dos mestres do horror. Veremos! 🙂
    Beijos!

  • Michelly Santos

    Oi Isa!
    Quando comecei a ler pensei que seria um livro super assustador, com um monstro terrível e tal. Mas fiquei muito feliz em descobrir que o terror da história está na angustia dos dois personagens centrais, cada um à sua maneira. Achei genial! hehe
    Leia sim! E espero que você goste tanto quanto eu!
    Beijo!

  • Michelly Santos

    Também fiquei admirada com a competência da autora, ainda mais levando em consideração que esse livro foi escrito no século XIX. Merece mesmo ser chamado de clássico, né?!
    Beijos!

  • Isabelle Brum

    Olá!
    Nossa, se já estava curiosa para ler esse livro, essa curiosidade acaba de se intensificar agora com sua resenha XD
    Brincadeiras à parte, amei poder conhecer um pouco mais da história. Bem interessante esse lado da trama em tratar de temas mais voltados à reflexão sobre nossos atos e suas consequências (e não apenas o terror em si, como pensei que fosse o caso nesta história). Espero agora poder ler em breve para tirar minhas próprias conclusões.

    Beijinhos e boas leituras.
    Isabelle – http://attraverso-le-pagine.blogspot.com.br

  • Michelly Santos

    Oi Sil!
    Se eu tivesse lido há anos atrás talvez também não gostaria. Quem sabe um dia você dá outra chance à história e muda seu ponto de vista. Mas se não mudar tb, não tem problema! Tem mts livros maravilhosos por aí, o importante é que a gente encontre aquilo que mais nos agrada!
    Beijos!

  • Michelly Santos

    Oi Sora!
    Vou escrever sim, em breve!
    São contos que falam sobre ressurreição, seguindo a mesma linha de Frankenstein. Só um deles que não é bem esse tema. Mas são todos muito bons.
    Beijos!

  • Sora Seishin

    Oi Michelly!
    Eu li Frankenstein há muuuito tempo, e certamente não foi uma edição tão bonita quanto essa.
    Gostei de saber sua opinião sobre o livro e fiquei curiosa para saber mais sobre os contos que você comentou, espero que você escreva sobre eles no futuro.

    Beijos,
    Sora | Meu Jardim de Livros

  • Sil

    Olá, Michelly.
    A editora tem trazidos vários clássicos em uma nova roupagem para os fãs term prazer de ter os livros na estante. Eu li esse livro tem uns vinte anos mais ou menos e acho que na época não estava preparada para ler esse tipo de história e acabei não gostando tanto. Mas gostei bastante da sua resenha e de suas impressões sobre o livro.

    Prefácio

  • Michelly Santos

    Oi Alice!
    Tomara que você goste dessas duas obras tanto quanto eu!
    Quanto a Darkside, é até difícil resistir quando eles lançam um livro, né? Frankenstein, por exemplo, tinha edições até mais baratas, mas eu não poderia comprar outra que não fosse essa. E além de maravilhosa, ela tem extras muito legais, como falei na resenha.
    Beijos!

  • Michelly Santos

    Oi Kelly!
    A forma de construção da narrativa é muito interessante mesmo! Pena que esqueci de falar sobre isso na resenha. A parte que mais gostei foi a narrada pela criatura, quando ela conta pro Victor como desenvolveu sua humanidade.
    Crime e Castigo é um livro magnífico! O tormento que se torna a vida de Raskólnikov é esmagadoramente angustiante e só um mestre como Dostoiévski pra conseguir despertar emoções tão intensas no leitor, né?! Espero que vc goste tanto dessa obra quanto eu.
    Beijos!

  • Kelly Oliveira

    Olá Michelly, li Frankenstein o ano passado.

    Apesar de reconhecer os méritos do livro, não gostei tanto da leitura como você. Lembro-me da narrativa (em três camadas) ter me chamado mais a atenção, do que a história propriamente…

    As reflexões que Mary Shelly levanta ali são mesmo interessantes. Gostei do que você disse: "A infelicidade não é justificativa para o mal, assim como o sofrimento não legitima ninguém a cometer atos impiedosos." concordo plenamente.

    Estou terminando de ler "Crime e Castigo" e sim, há um paralelo entre os personagens; pensar nisso até ajuda a compreendê-los.

    Abs.

  • Alice Teixeira

    Oi Michelly!
    Adorei a resenha, e de como foi direta na hora de descrever a obra. Não li nada do gênero ainda, mais pretendo ler esse livro e Edgar Allan Poe, que foi um livro que você m indicou. Amei a foto, e espero gostar da escrita da autora.

    P.S.: Esse cuidado que a editora Darkside tem, da até vontade de comprar mais livros…

    Beijoss, Enjoy Books

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