Dedo de prosa

Quem tem medo dos clássicos?

Eu devia ter uns 11 anos quando minha professora da 4ª série do ensino fundamental, que equivale ao 5º ano de hoje, mandou que minha turma lesse Dom Casmurro. Lembro muito bem de todo mundo reclamando que era um livro chato, descritivo demais, com palavras difíceis, e sei que até hoje tem quem dê a seguinte desculpa: a escola me fez odiar os clássicos.

Se você faz parte desse time, peço 5 minutinhos da sua atenção para tentar te convencer a amar a literatura clássica. Ou, pelo, menos, dar uma chance a ela.

1. Esqueça os traumas

Concordo que uma criança de 11 anos não tem maturidade suficiente para captar as intenções de Machado ou de entender que Bentinho não é um narrador, digamos, muito confiável, para que a gente vá logo acreditando em tudo o que ele diz e crucificando a pobre da Capitu. Concordo também que é um texto mais rebuscado, com palavras que ainda não fazem parte do nosso vocabulário quando somos muito jovens, o que dificulta a fluidez da leitura. E concordo, por fim, que existem muitos outros livros maravilhosos e bem escritos que seriam mais apropriados para alunos da 4ª série. Ou melhor, 5º ano.

Dito isso, a primeira dica é: tente esquecer os traumas do passado e compreenda que aquela história enfadonha para a criança que você foi pode entreter e ensinar muita coisa para o adulto que é hoje.

2. Idade não é documento

Os clássicos são, sim, em sua maioria, livros lançados há um tempo considerável, mas existem obras relativamente novas que já são tidas como clássicos da literatura, como é o caso de Ensaio Sobre a Cegueira (José Saramago, 1995) e Graça Infinita (David Foster Wallace, 1996). Todavia, mesmo que sejam obras lançadas há muitos anos, elas têm uma característica importantíssima: permanecem sempre atuais.

Um livro clássico é aquele que resiste ao tempo, se mantendo relevante de geração em geração e servindo de modelo para produções literárias subsequentes. Sabe quando ouvimos que “o teatro nunca mais foi o mesmo depois de Shakespeare”? É exatamente isso que um clássico faz: transforma, aperfeiçoa e molda uma sociedade.

Não acredita? Então compare a quantidade de semelhanças entre o universo criado por George Orwell em A Revolução dos Bichos e a política atual. Veja como as discussões propostas por Charlotte Brontë sobre os costumes sociais, sobretudo no que diz respeito à mulher, são similares às discussões de hoje em dia. Leia Clarice e pense nas tantas Macabéas que estão por aí, invisíveis aos nossos olhos.

Fica a dica: entenda que os clássicos trarão os valores da época em que foram escritos, mas tente sempre traçar um paralelo com os dias atuais. Isso torna a leitura muito mais interessante.

3. Cresça e amadureça

A experiência adquirida através da leitura dos clássicos vai te tornar mais exigente. É inevitável que isso aconteça porque, tendo contato com mestres da escrita, nosso gosto acaba ficando mais apurado e conseguimos fazer uma análise mais profunda sobre aquilo que lemos.

Mas atenção, ser exigente é diferente de ser preconceituoso. Não seja um chato.

Tenha paciência, e perseverança, com os possíveis arcaísmos que poderão surgir. Você vai ficar orgulhoso quando perceber que seu vocabulário está aumentando. Com o tempo você não vai ter mais tanta dificuldade para entender textos mais rebuscados e vai escrever melhor.

A dica para minimizar a dificuldade aqui é: tente começar pelos gêneros que mais te agradam. Você gosta de terror? Comece por Drácula, O Médico e o Monstro, Frankenstein. Gosta de romance? Tente algum livro das irmãs Brontë ou Jane Austen. Prefere ficção científica? Solares, Planeta dos Macacos e Uma Odisseia no Espaço podem te agradar. Seu negócio é fantasia? Corre para ler um Tolkien ou um C. S. Lewis então!

4. Ignore os (pseudo)intelectuais

Sempre tem aquele mala que vai se achar mais inteligente porque só lê clássicos. Ele vai dizer que entendeu absolutamente tudo o que Dostoiévski quis dizer em Crime e Castigo, por exemplo, e você vai se achar um burro porque mal consegue identificar os personagens pelo nome.

Dica de amiga: não se deixe intimidar, nem pelo texto de uma obra clássica, muito menos pelos pseudointelectuais que aparecerem em seu caminho. Ítalo Calvino disse que “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha pra dizer”, ou seja, a cada nova leitura você tira novas reflexões, novos ensinamentos.

Entenda que você não é obrigado a captar absolutamente tudo o que o autor escondeu nas entrelinhas logo na primeira leitura. Ignore os malas.

5. Leia!

Por fim, você só vai saber se gosta ou não de um clássico caso se permita ter a experiência de ler esses livros. Mas não desista fácil. Experimente, leia vários gêneros, de várias épocas. Mesmo que você comece pelas suas preferências, se aventure em outros tipos.

Outra coisa importante é não ter pressa na leitura dessas obras, visto que elas costumam mesmo ser mais lentas. Então aproveite o que cada página tem a te ensinar e nunca mais tenha medo dos clássicos!

22 Comentários

  • Jessica Rabelo

    Oi Michelly.
    Eu até gosto de ler clássicos, mas são realmente poucos que me agradam. Mesmo antes do meu curso, já tinha lido alguns e não tinha gostado. Meu problema se encontra na intertextualidade.
    Como muitos livros de hoje são baseados em clássicos e tem suas raízes fixadas em obras como Homero, Victor Hugo e Jane Austen, sempre que leio algo de autores assim sinto uma sensação profunda de deja-vú.
    Mas gostei bastante da tua reflexão.
    Beijos.
    Fantástica Ficção

    • Michelly Santos

      Oi Jessica!
      Super entendo seu ponto, mas acho que a intertextualidade pesa mais contra os contemporâneos do que contra os clássicos, afinal são os mais novos que se influenciam pelos mais velhos. E como os clássicos são os precursores das ideias, acredito que cabe aos contemporâneos a obrigação de se renovar para eliminar a sensação de déjà vu que é desagradável a muitos leitores. 😉
      Beijão!

    • Michelly Santos

      Oi Nanda!
      Que maravilha! 🙂
      Os clássicos são incríveis, nos ensinam, nos divertem. Merecem prioridade mesmo!
      Beijos!

  • Renata Bonasio

    Oi Lary!
    Eu tenho um pouco de preguiça dos clássicos, apesar de ter vários na minha estante. Não consigo devorá-los como devoraria um livro do King, por exemplo. Mas eu persisto e leio aos poucos. Já li Jane Austen e tenho Frankenstein me esperando… rsrs
    bjs

    Amor por Livros

    • Michelly Santos

      Oi Renata!
      Entendo qd vc diz que não consegue devorar um clássico como devoraria um livro do King, mas isso é normal. Existem aqueles clássicos que são mais reflexivos, têm um texto mais complexo; e esse tipo de livro não conseguimos ler com a mesma rapidez que lemos obras mais leves. Mas tb existem clássicos cuja leitura flui mais rapidamente tb. Estou lendo Drácula agora e acho que ele é um ótimo exemplo de clássico que conseguimos devorar bem depressa.
      Como vc citou King, sabia que tem livros dele, como O Iluminado, por exemplo, que são considerados clássicos? 🙂
      Beijos!

    • Michelly Santos

      Oi Lary!
      Vc quase acertou, só faltou um R ali no meio do Orwell! hehe
      Ele é maravilhoso, um dos meus autores preferidos. Espero que vc goste tb!
      Beijos!

    • Michelly Santos

      Oi Fiacha!
      Fico feliz que vc tenha gostado! Tb me surpreendo a cada clássico que leio, por isso quis vir dividir isso pra que todo mundo tenha essa experiência!
      Beijos!

    • Michelly Santos

      Oi Mi!
      Também acho super normal gostar mais de uns livros do que de outros, e isso não só no que diz respeito aos clássicos. O mais importante é a gente se dar a chance de conhecer vários tipos de histórias, né?!
      E, cá entre nós, a parte sobre os pseudointelectuais valeu tb como um desabafo! kkkkk
      Beijos!

  • Pâm Possani

    Hey Mi!
    Eu amei as dicas
    ainda tenho alguns medos mas já venci alguns traumas
    FIQUEI BEM ALIVADA COM SEU POST porque eu nunca entendo 100% de um classico, e aí voce colocou esse trecho "Ítalo Calvino disse que "um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha pra dizer", ou seja, a cada nova leitura você tira nossas reflexões, novos ensinamentos." GLORIA A DEUS hehehehehe
    é bom sempre viver e aprender né? Adorei e nao vou desistir deles <3
    beijocas!
    Pâm – http://www.interruptedreamer.com

    • Michelly Santos

      Oi Pâm!
      Olha, eu arrisco dizer que ninguém entende 100%, pelo menos não logo da primeira vez. E se Calvino falou, tá falado! kkkkk
      Não desista mesmo, viu. Eu tb tenho alguns medinhos, mas aos poucos nós vamos enfrentando e superando. 😉
      Beijos!

  • Leticia Golz

    Oi, Mi!
    Adorei seu post! Comigo aconteceu ao contrario do que com muita gente, passei a amar clássicos por causa da escola. Já gostava de ler, passei a gostar ainda mais. Mas realmente alguns eram sofridos de ler.
    Concordo que é preciso ler para gostar, e que a gente acaba ficando até mais exigente com outros livros. E tem as releituras que realmente fazem a gente entender ainda melhor a história. Adorei, você tocou nos pontos certos.

    Blog Livros, vamos devorá-los?

    • Michelly Santos

      Oi Letícia!
      Alguns são sofridos mesmo, mas que maravilha que vc se apaixonou por eles na escola! Eu nunca tive implicância com clássicos, mas tb passei mt tempo sem dar a atenção que acho que eles merecem. Me arrependo do tempo que perdi!
      Fico feliz que vc tenha gostado do post! É sempre difícil falar de clássicos sem parecer pedante, mas eu tentei! hehe
      Beijos!

    • Michelly Santos

      Oi Carol!
      Machado é incrível mesmo, tb amo!
      Infelizmente, ainda não li Shakespeare. Acontece que teatro não é muito bem o que gosto de ler, daí fico com medo de não gostar. E como eu não quero não gostar, fico enrolando pra ler. Sentiu meu drama? kkkkkk
      Beijos!

  • Vanessa Vieira

    Gostei do post Michelly. Ao contrário de muitas pessoas, fui cativada por Dom Casmurro logo que li o livro, mas em compensação odiei O Guarani com todas as forças. Entretanto fiquei apaixonada pelos clássicos ingleses graças a Jane Austen e Emily Brontë e desde então não parei mais, estendendo meu amor para Charles Dickens e Tolstói. E, claro , pretendo mergulhar um pouco mais nas obras das Irmãs Brontë e também conhecer o aclamado Crime e Castigo. Beijo!

    http://www.newsnessa.com

    • Michelly Santos

      Oi Vanessa!
      Eu também me apaixonei por Dom Casmurro qd li, tanto que corri pra biblioteca pra pegar Memórias Póstumas pra ler tb! Nunca li O Guarani, mas um livro que odiei no colégio foi O Cortiço. Tenho até vontade de reler pra ver se mudo a primeira impressão.
      Mergulhe nas obras das Brontë de cabeça, viu! Vc vai amar! Crime e Castigo também é maravilhoso, mas tente ler em uma edição traduzida direto do russo (a da Martin Claret ou a da Editora 34).
      Beijos!

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