Resenhas

Quincas Borba

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Publicado inicialmente como folhetim e compilado em livro em 1891, Quincas Borba trata de um tema comum às obras do período realista de Machado de Assis, os caminhos percorridos pelo homem rumo à sua derrocada.
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A narrativa é, inicialmente, ambientada na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, onde Quincas Borba, personagem já introduzido em Memórias Póstumas de Brás Cubas, vive e compartilha de uma amizade com Rubião. Quincas foi responsável por desenvolver uma tese filosófica chamada Humanitismo, a qual, apesar de ter sido melhor explorada em Brás Cubas, também tem forte influência na presente história.
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De acordo com o próprio criador, tal filosofia diz respeito à teoria de que a guerra pode ser mais benéfica que a paz, oportunidade em que Machado cunhou a famosa expressão “ao vencedor, as batatas”. Para explicar melhor sua teoria, Quincas Borba dá um exemplo à Rubião: imagine que exista um campo de batatas e duas tribos que precisam do legume para sobreviver. Seus líderes não podem negociar a paz e dividir as batatas visto que metade delas não alimentaria uma tribo inteira, acarretando na morte dos dois povos. Sendo assim, eles terão que disputar as batatas através da guerra, onde a tribo mais forte ganha, garantindo sua sobrevivência.
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Assim, de acordo com o Humanitismo, aquele que se preparou melhor e foi capaz de tornar-se o mais forte, irá colher os frutos de seus esforços. Enquanto que aquele que não se preparou o suficiente, será derrotado. Essa filosofia pode ser entendida, portanto, como uma alusão ao Darwinismo.
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Mas o personagem principal dessa história não é aquele que a nomeia, e sim, Rubião, amigo para quem Quincas Borba deixa toda a sua herança com a condição de que ele cuide de seu cão, que também se chama Quincas Borba. Daí surge uma questão que é debatida até hoje: por que Machado escolheu como título de seu romance o nome compartilhado pelo cachorro e seu dono, sendo que a trajetória a qual acompanharemos é a de Rubião?
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Particularmente, acredito que essa opção foi feita tendo em vista que o espírito e as ideias de Quincas Borba influenciam todo o enredo, inclusive agindo diretamente na vida de Rubião, já que este deve sua fortuna recém-conquistada ao falecido amigo. É a fortuna do filósofo que permite ao mineiro se mudar para o Rio de Janeiro, então capital do Império, e conhecer o casal Cristiano e Sofia, a mulher que será objeto de seu amor e possível fonte de sua ruína.
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Em um meio completamente diferente do que ao que ele estava acostumado, Rubião viverá na pele o Humanitismo já que terá que desenvolver meios de ser o mais forte entre seus pares e se proteger das disputas sociais, ou sucumbirá aos que tiverem mais sucesso em seus esforços. Logo, a vida de Rubião é a validação dos conceitos ditados pela tese de Quincas Borba.
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Uma das técnicas utilizadas por Machado nessa obra é a denominada in media res, a qual consiste em começar a narrativa num ponto mais avançado da história e no decorrer da leitura os fatos vão se esclarecendo. Outro aspecto do texto, que é uma característica do realismo, é a presença de um triângulo amoroso que vai se desdobrando e criando uma teia intrincada de outras relações mais complexas.
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A política também é tema recorrente nessa obra, por isso é interessante que o leitor procure informações mínimas sobre a situação do Brasil no fim do século XIX, quando a Monarquia estava prestes a dar seu último suspiro. Claro que mesmo sem esse conhecimento, você irá entender a história, contudo a experiência é muito mais completa quando conhecemos o panorama daquilo que está sendo lido e, por conhecermos os pormenores da época, acabamos compreendendo melhor certas atitudes e costumes dos personagens.
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Soa repetitivo dizer que a construção dos personagens foi feita de forma magistral, mas me sinto obrigada a dizê-lo mesmo assim. A mulher que gosta de ser admirada e usa seus dotes para seu benefício, o amigo que se aproveita da inocência do sócio e da beleza da mulher, o caipira que tenta sobreviver à cidade grande, entre outros tipos aparentemente caricatos mas que nas mãos de Machado de Assis tornam-se reais e capazes de nos despertar vários sentimentos, que vão dos mais nobres aos mais perversos.
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Por fim, e voltando ao Humanitismo, vale dizer que também depreende-se dele um outro questionamento levantado pelo autor, o qual versa sobre a morte significar ou não a finitude de fato. Pode alguém ser eterno? Morrer e continuar vivo? A resposta para essas perguntas está na figura do próprio Machado de Assis, o qual, ainda que falecido em 1908, permanece vivo através de sua obra. O criador acabou por confirmar a tese da criatura pois mesmo não sendo naturalmente o mais forte – pelo contrário até, visto que tinha tudo contra si – o escritor lutou e venceu, colhendo assim os merecidos frutos de seu empenho que o tornaram imortal. À Machado, as batatas!
Autor: Machado de Assis
Editora: Nova Fronteira
Nota: 5/5

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