Dedo de prosa

Precisamos falar sobre adaptações literárias

Um dos assuntos mais controversos no que se refere à literatura diz respeito às adaptações cinematográficas que são feitas a partir de livros. Alguns leitores amam receber a notícia que sua obra favorita será adaptada, outros odeiam. Entre esses, o argumento mais usado é o de que os responsáveis pelo roteiro dos filmes em sua maioria desvirtuam a narrativa original, “estragando” a história.
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Mas será que a adaptação tem que ser totalmente fiel ao livro? Mais ainda, será que isso é possível?
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Como todo leitor, também já me apaixonei e me decepcionei com filmes/séries inspirados em obras literárias, com isso venho me questionando ao longo dos anos sobre o que considero uma boa adaptação. Confesso que depois de fazer algumas considerações, meu nível de exigência diminuiu, o que acabou por melhorar minhas experiências com as adaptações. Por isso, resolvi bater esse papo sincero com vocês levantando pontos que me fizeram enxergar livro e filme/série com a distância necessária entre si.
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1. Tempo e dinheiro
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Antes de qualquer coisa precisamos levar em consideração os dois tipos de adaptações mais comuns que são filme e série. Obviamente uma série tem muito mais tempo disponível para que o enredo seja desenvolvido, possibilitando um resultado com mais detalhes retirados da obra original. Por outro lado, os filmes normalmente contam com orçamentos maiores, o que possibilita maior qualidade do produto final.
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É claro que se formos levar em consideração produções como Game of Thrones, por exemplo, não podemos aplicar essa questão do orçamento, mas essa é uma rara exceção justificada pelo sucesso monumental da série da HBO.
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Fato é que esses dois elementos, tempo e dinheiro, são extremamente relevantes quando falamos em adaptações. Quanto mais tempo disponível, maior é a possibilidade de que a tão sonhada fidelidade seja alcançada; e quanto maior o tempo, mais dinheiro é necessário para transformar texto em cena com o nível de qualidade que todos desejamos.
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O que ocorre é que nem todo filme ou série é uma superprodução hollywoodiana e, ao contrário do que muito se pensa, a maioria das adaptações conta com um orçamento modesto. Assim, os produtores precisam optar apenas pelos elementos indispensáveis àquela narrativa, pois não há tempo nem dinheiro suficientes para uma transcrição completa da obra original.
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2. E por falar em fidelidade…
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Tenha em mente que é impossível transferir todas as palavras de um texto para um formato que é completamente diferente daquele do conteúdo original. Enquanto os recursos possíveis em um texto são infinitos, encená-lo tem inúmeros limites.
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Em um livro, por exemplo, podemos acompanhar os pensamentos dos personagens sem que haja uma quebra na narrativa, já que essa pode, facilmente, misturar falas e pensamentos mantendo a fluidez da leitura. Isso já não é possível no cinema, onde colocar um personagem narrando seus pensamentos em meio as falas pode se tornar algo extremamente maçante e incômodo ao telespectador. Esse recurso é, sim, utilizado, mas sempre sem exageros. Acreditem, essa fidelidade que muita gente pede, mesmo que possível, transformaria um filme/série em algo difícil de ser assistido.
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Além disso, em uma obra literária o autor pode inventar mundos e criaturas, pode descrever aventuras impossíveis, mas passar isso para uma adaptação custa muito dinheiro, muito mesmo, e como já conversamos, muitas vezes o orçamento não suporta tanta criatividade. Tem ainda a classificação etária, exigências de mercado, enfim, inúmeras questões que são mais burocráticas para cinema e televisão do que para a literatura.
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3. Livro e filme/série podem ser bons de maneiras diferentes
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Ai você pode dizer: ok, mas não queremos cópias, pedimos apenas que os produtores sigam os acontecimentos do livro de uma forma mais fiel.
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Acontece que apesar de uma adaptação ter como base a história de um livro, ela é apenas isso: uma base. Não é sequer a intenção de muitos produtores alcançar algum tipo de fidelidade, mas apenas pegar uma boa história e transformá-la em outra. Portanto, tente enxergar a adaptação como algo separado do livro. O momento em que comecei a fazer isso foi quando parei de passar raiva no cinema pois, mesmo preferindo adaptações que seguem mais o que está no livro, também entendo quando é feita a opção de construir narrativas diferentes.
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Depois que aceitamos isso, fica mais fácil enxergar esses dois formatos como coisas diferentes e separadas. Nesse sentido, Henri Mitterand, na Apresentação do livro 100 Filmes da Literatura para o Cinema, afirma que “não existem nesse campo leis de correspondência. Um grande romance pode dar origem a um grande filme ou a um filme menor, um romance indiferente, sem existência duradoura, também pode transformar-se num filme inesquecível ou em uma hora e meia de cinema a ser esquecida”.
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4. A adaptação como influência negativa
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O mercado de filmes e séries adaptados vem crescendo exponencialmente dia após dia, o que, infelizmente, tem feito com que autores escrevam seus livros já pensando em uma possível adaptação, o que pode desvirtuar as características de uma obra escrita para que ela se adeque melhor ao cinema ou televisão.
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Ainda citando  Henri Mitterand, ele diz que “[…] podemos ver na atual produção romances que parecem diretamente escritos para a adaptação cinematográfica: romances-cinema, cheios de sequência de ação e diálogos. Raramente são obras inesquecíveis.”. Não posso deixar de concordar.
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Pois o que nós, leitores, podemos fazer para evitar que os escritores cometam esse erro é mostrá-los que sabemos distinguir entre livro e adaptação, fazendo com que entendam que queremos livros que se pareçam com livros e não com roteiros de filmes ou séries.
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5. Aproveite a experiência!
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Livro, filme e série são coisas diferentes, portanto vivencie essas experiências de acordo com o que cada uma pode te oferecer. Julgue o livro pelo livro, o filme pelo filme, a série pela série. Um filme adaptado pode ser ruim, claro, mas não baseie sua opinião na fidelidade à obra original. Apenas aproveite aquele tempo no cinema ou diante da televisão da mesma forma que você aproveitou a leitura.
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Preferências todos nós temos. Como já falei, prefiro uma adaptação mais fiel à história do livro, mas como já aceitei que são coisas diferentes, não fico tão frustrada ao assistir uma adaptação mais independente. Não espero mais essa igualdade, começo um filme ou série sabendo que é uma obra baseada e não uma cópia.
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Os produtores continuarão fazendo adaptações da forma que eles acharem melhor, sendo assim o que nós podemos fazer é trabalhar para que aproveitemos nossas experiências da melhor forma. Não adianta dar “murro em ponta de faca”, então se para eles livro é livro e filme é filme, tudo bem. Nós também podemos enxergar as coisas dessa forma e, o mais importante, aproveitar a experiência!

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4 Comentários

  • Michelly Santos

    Oi Carol!
    Concordo com você! As mudanças são até bem-vindas quando são pra "corrigir" algo que não ficou tão bom no livro. Como eu falei, claro que uma adaptação pode ser ruim, mas acho que não devemos levar em consideração a comparação com a obra original, mas apenas a adaptação em si para fazermos nosso julgamento. 🙂
    Beijos!

  • Carol Cristina

    Oi Michelly!
    Concordo com o que vc disse!
    O pior é essa influência nos próprios livros né, a pessoa já escreve pensando numa adaptação =/
    Acho legal qnd vc tem um livro e filme/série com diferenças, mas aí os dois são ótimas versões! Tem mudanças que vem pra bem, pois alguns livros tem pontos fracos/negativos q podem ser melhorados numa adaptação, como já vi acontecer! Inclusive, acho q isso é o q mais deveria ser levado em conta ao se decidir fazer uma adaptação.
    Bjs
    http://acolecionadoradehistorias.blogspot.com

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