Resenhas

Para que não seja esquecido

Sabe aquela história que chega de mansinho, como quem não quer nada, e ganha totalmente seu coração? Pois é sobre um livro assim que vamos conversar hoje…

Para que não seja esquecido é um livro escrito a quatro mãos. Peter Anton, um austríaco radicado no Brasil desde 1954, resolveu contar sua história de vida e escolheu Kelly Oliveira Barbosa para escrevê-la.

Entre 2017 e 2018, Kelly se dedicou a registrar a narração oral de Peter e, se valendo de fotos e documentos, construiu o texto belíssimo que encontraremos nesse pequeno volume de pouco mais de 150 páginas, mas que reverbera em nós por muito tempo.

Mas o que tem de tão interessante na história de uma pessoa comum – afinal, Peter não é um artista, nem um político, nem alguém conhecido publicamente -, é justamente o fato de ser a história de uma pessoa comum!

O que acontece aqui é que ao voltarmos nossos olhos para uma vida que nós não conheceríamos se não fosse a iniciativa do próprio autor de escrever esse livro, nos damos conta de como o mundo vai além de nosso horizonte limitado.

Os sobreviventes ficaram perdidos dentro de si mesmos, navegando entre as águas agitadas do passado e as águas traiçoeiras do presente; muitos só conseguiam vislumbrar lugar para baixar âncora fora das fronteiras da Europa. Nem todos chegaram lá, mas os que partiram buscavam longe da zona de conforto de suas pátrias a própria identidade há muito anulada.

Pág. 69

Parafraseando Clarice Lispector, cada pessoa é um mundo. Mas, infelizmente, na maioria das vezes enxergamos apenas o que está à nossa volta, e ao ler esse livro acabei refletindo sobre quanta coisa se esconde dentro de cada indivíduo.

O sentimento que a obra de Peter e Kelly me causou foi muito parecido com o que vivi ao ler A Hora da Estrela. Através de um texto elegante e cuidadoso, percebi o quanto é importante nos colocarmos no lugar do outro, tanto porque não chegamos nem perto de saber as batalhas de cada um.

E não pense que é exagero porque ao conhecer o percurso de Peter desde sua infância na Áustria até sua maturidade no Brasil, nós nos colocamos no lugar do outro, sim.

E o mérito disso é tanto de Peter, que abriu sua vida pro leitor, inclusive contando coisas bastante delicadas como as traições de seu pai, quanto de Kelly, que soube escolher bem as palavras tornando essa história ainda mais tocante e ainda mais interessante do que ela já é.

Não foi assim com os meus pais. Suas vidas, concebidas antes da guerra, foram rasgadas sem, contudo, se perderem totalmente. Eles sobreviveram à guerra, nunca a venceram.

Pág. 113

O que você vai encontrar em Para que não seja esquecido, é a história de vida de um homem que, como você não conhece, não sabe o que esperar. Isso, por si só, já instiga o leitor.

Instigado, você começa a ler, e aí o texto te prende de uma forma irreversível. Peter viu a guerra, sentiu seus efeitos através de seu pai, viveu o comunismo, foi testemunha de diversas atrocidades, teve que aprender a viver num país completamente diferente do dele – no caso, o Brasil.

Mesmo daqui, viu o sofrimento de seus parentes que ficaram na Romênia na época da ocupação soviética, e ler o relato de alguém que não fala a partir de paixões ideológicas ou de achismos, ler o relato de alguém que viveu, de fato, aquela situação, é tão chocante quanto nos proporciona reflexões.

Contudo, a narrativa não gira apenas em torno desses grandes acontecimentos da História, os quais Peter foi testemunha. Ela também nos mostra o cotidiano de uma pessoa que, como falei, é apenas mais um na multidão. Observamos, aqui, a dificuldade imposta a Peter para se encaixar numa cultura tão diferente, conhecemos os problemas de sua família, acompanhamos o despertar do primeiro amor…

Me remeteu a um romance histórico: enquanto grandes acontecimentos vão deixando sua marca no mundo, pequenos acontecimentos marcam a vida de cada indivíduo. O resultado é que ambos têm a mesma capacidade de emocionar.

A vida é feita de ciclos que nunca se repetem. As tempestades, os dias de sol, sempre chegam; são certos, mas nunca percebidos da mesma forma. O que sobra são só vestígios do que se passou. Às vezes sombras, às vezes um pequeno raio de luz. O hoje é o reflexo do ontem e um fragmento do amanhã: assim que são as coisas, assim que a vida acontece em uma continuidade, não sem fim.

Pág. 143

Caso você tenha ficado curioso e queira conhecer a história de Peter, a obra está disponível nos links a seguir:

A Kelly, responsável pelo texto de Para que não seja esquecido, escreveu um relato sobre o desafio de escrever essa história. Vale a pena acessar o post dela clicando aqui.

Você também a encontra através do e-mail [email protected] ou pelo Instagram.

Um comentário

  • Rafael Nascimento dos Santos

    Feliz Natal!
    O Natal é um dia que eu gosto bastante.
    Neste dia eu geralmente me reúno com a minha família e alguns amigos.
    Porém, ainda estamos vivendo uma época que precisamos manter a distância.
    Mesmo estando distante dos seus entes queridos e amigos, espero de verdade que seu natal seja incrível.
    Um abraço.
    arquitetoversatil.com

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