Resenhas

Os Románov (Simon Sebag Montefiore) – 300 anos de história e o final trágico da dinastia

Desde sua publicação, em 2016, a obra que compila a trajetória dos famosos Románov, escrita por Simon Sebag Montefiore, está no meu radar. Mas foi apenas agora, em 2019, que tive a oportunidade de ler as quase mil páginas que abarcam mais de 300 anos da história da Rússia.

Não há que se falar em Rússia sem falar nos Románov, sobretudo tendo em vista que a dinastia, que teve no frágil Miguel seu primeiro tsar, transformou o país culturalmente e territorialmente ao longo dos séculos em que esteve no poder.

Nomes como Pedro, o Grande ou Catarina, a Grande são reconhecidos no mundo todo. Enquanto Pedro foi o maior responsável pela modernização do país, Catarina quebrou um dos maiores paradigmas da época: aquele que dizia que uma governante mulher jamais entraria para a história da Rússia.

Mas se alguns nomes ficaram marcados pela glória, outros o fizeram pela tragédia que lhes foi imposta. É o caso de Nicolau II, o último tsar dessa dinastia, vítima de um assassinato brutal que quase extinguiu um nome que antes fora considerado divino.

Apesar de conter, no subtítulo, o período entre 1613 a 1918, a obra de Sebag começa um pouco antes disso, partindo de Ivan, o Terrível. Essa retrospectiva, bem-vinda, tem a finalidade de situar o leitor na história mostrando como o primeiro Románov chegou ao poder. E, garanto, foi de uma forma bastante inusitada.

A partir daí ocorre um desfile de tsares e tsarinas, todos com muitas manias e pouquíssimo interesse no bem estar de seus governados. Entre arremessos de anões e obrigar idosas a puxarem seus cabelos entre si até sangrar, os Románov possuiam outros hábitos peculiares, como no caso de Pedro, o Grande, que mesmo sem nenhuma formação em medicina gostava de operar seus súditos; ou mantinham práticas como a de determinar o estilo e até as cores das roupas dos membros mais ricos da sociedade, como Elizaveta, filha de Pedro, fazia.

Nos séculos XVII e início do XVIII, existia na Rússia uma tradição chamada “Desfile de Noivas”, onde várias jovens virgens eram colocadas à disposição do tsar para que ele escolhesse uma esposa. A segunda colocada era banida com toda sua família para não representar nenhum risco à escolhida.

Mas não pense que a tsarina teria uma vida fácil. Existia no país um tipo de código de conduta chamado Domostroi, o qual regulava o comportamento das mulheres nobres. Além das várias restrições que lhe eram impostas, como sair em público, seus maridos eram autorizados a espancá-las caso “dessem trabalho”. As que agissem corretamente apenas apanhariam esporadicamente, para manter a disciplina. Simon diz que as condições das mulheres das camadas sociais mais baixas eram melhores, sendo que elas tinham mais liberdade que as nobres, inclusive sexual.

 

Também chama atenção na narrativa de Os Románov, a participação de autores consagrados como Pushkin, preso por um tsar e liberto por outro, e Dostoiévski, autor pelo qual nutro grande admiração. Sebag conta como esse último foi preso por participar de um grupo revolucionário, escapou da morte e virou defensor ferrenho do tsarismo. Essas partes do livro são um deleite para os leitores, sobretudo para aqueles que, como eu, são entusiastas da literatura russa.

É impossível fazer um resumo satisfatório dessa que pode ser considerada a biografia da dinastia Románov, haja vista as inúmeras guerras, conspirações, traições, amores bem e mal resolvidos… Isso sem contar na imersão incrível na cultura de um país tão distante do nosso, e não só territorialmente falando. Mas algo que não pode ficar de fora desse artigo é algum comentário sobre a forma como a dinastia teve seu fim.

Na madrugada do dia 17 de julho de 1918, o já ex-tsar Nicolau II, sua esposa Alexandra e seus cinco filhos foram levados ao porão da casa onde estavam “hospedados sob vigilância” e brutalmente assassinados por uma equipe completamente cruel e despreparada. O relato que Simon faz dessa fatídica noite é sufocante. Através desse livro descobri que algo que já imaginava ter sido horrível foi, na verdade, muito pior.

Durante muitos anos ninguém soube do paradeiro dos corpos dos Románov, mas em 1991 cinco deles foram descobertos. Faltavam dois: Alexei e uma das meninas mais novas, Maria ou Anastásia. Por algum motivo espalhou-se a lenda de que a garota desaparecida era Anastásia, o que fez surgir várias impostoras, mas em 2007 esses corpos foram finalmente encontrados e os cientistas descobriram que a filha desaparecida era, na verdade, Maria.

É claro que não citei aqui nem metade das informações contidas nesse trabalho de pesquisa magnífico. Sebag também fala sobre as Guerras Napoleônicas, sobre Raspútin, sobre a Primeira Guerra Mundial e, obviamente, sobre a Revolução Russa. Ele cita Lênin, Stálin e Trótski. Cita também Putin ao dizer, no Epílogo, que os russos de hoje enxergam seu atual presidente como um tipo de tsar. Particularmente, nunca tinha ouvido sobre isso, mas achei uma informação interessante, além de bastante plausível sobretudo se levarmos em consideração o tempo que Putin está no poder.

Os Románov é uma obra densa em conteúdo mas que tem um texto fluido com vocabulário acessível a qualquer leitor. É um mergulho profundo na Rússia tsarista que nos faz refletir para além dos atos dos personagens dessa história. Recomendo muito a leitura a quem se interessa pela história da Rússia, por histórias sobre o poder e pela investigação sobre a natureza humana.

É uma não ficção com cara de ficção que vai te prender, te divertir e te informar na mesma medida. Foi uma experiência incrível pra mim, o que significa que também pode ser uma experiência incrível pra você.

Assista à playlist completa da leitura de O Románov lá no canal!

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