Resenhas

O Apanhador no Campo de Centeio

Hoje nós vamos conversar sobre a história de um menino que não entende por que o mundo é como é… Mas, afinal, quem entende?

Holden Caulfield é um jovem de 16 anos que acabou de ser expulso de mais um colégio e tem até a próxima quarta-feira para contar a novidade para seus pais. Julgando não ter mais nada a perder, ele abandona o alojamento em que vivia naquele mesmo dia e decide se aventurar por Nova Iorque afora antes de ir pra casa enfrentar as consequências da expulsão. Assim, nosso garoto-problema se hospeda em um hotel e nos conta o que fez naqueles dias de completa liberdade.

Muito se fala sobre a chatice do protagonista criado por J. D. Salinger em sua obra mais famosa, e não é de se estranhar. Holden reclama de tudo e de todos. As únicas pessoas que têm a simpatia do garoto são sua irmã mais nova, Phoebe, e seu irmão Allie, que faleceu vítima de leucemia.

Mas o que importa nesse livro não é a trajetória de um menor de idade reclamão tentando comprar bebida ou contratando  uma prostituta para conversar, nem vê-lo arrumando briga – e apanhando, sempre -, tentando conquistar uma garota ou sofrendo de ciúmes. Isso tudo é apenas a superfície da narrativa. Para aproveitar cada pedacinho, para identificar cada mensagem e promover reflexões profundas, o leitor precisa enxergar o que está por trás das atitudes de Holden.

Como qualquer narrador em primeira pessoa, ele tenta nos enganar. Toda aquela reclamação, a suposta ingratidão e sua personalidade complicada, escondem traumas e cicatrizes profundas, as quais fazem com que, na verdade, Holden não odeie todo mundo, mas odeie a si próprio. Ele mesmo diz que até sentia raiva de algumas pessoas por alguns momentos, mas se passasse muitos dias longe delas, ficava com saudade.

Outro aspecto de sua personalidade que fica escondido nas entrelinhas, é o medo das mudanças que o futuro traz. Num determinado momento, ao visitar o Museu de História Natural, ele comenta que gosta daquele lugar porque lá tudo é sempre igual. Lembra que Holden perdeu um irmão? Pois para ele as mudanças significam perda, por isso ele gostaria que sua vida fosse como aquele museu: tudo sempre igual.

A falta do irmão é, na verdade, o motor que gira toda a história (que se passa em dois ou três dias, aliás), influenciando diretamente no título da obra, o qual tem um significado muito singelo. É forte, triste, emocionante e, com certeza, um dos títulos mais bem escolhidos de toda a literatura. Ele nos prova, de uma vez por todas, que ali no peito daquele jovem desbocado bate um coração imensamente machucado.

Outro aspecto de Holden que pode passar despercebido numa leitura mais superficial é o fato de ele se sentir culpado por não retribuir todo o conforto que tem disponível. Sua família tem uma boa situação financeira, o que fica claro quando ele começa sua perambulação por Nova Iorque sem se preocupar com dinheiro. Mas o jovem manifesta, de forma discreta, um certo incômodo pelos seus constantes erros, seja quando esconde sua mala porque é melhor do que a dos colegas, seja quando pensa na decepção da mãe ao saber que ele havia sido expulso mais uma vez.

Mas se ele quer retribuir todo o cuidado que recebe, por que não o faz? Porque, ao que tudo indica, Holden anda a passos largos em um processo depressivo, ele não se encaixa em um mundo que lhe parece hostil e, por isso, o que faz é devolver toda essa hostilidade. No final das contas, seu comportamento tão criticado é um pedido de ajuda.

O Apanhador no Campo de Centeio foi publicado em 1951, e Salinger foi muito bem-sucedido ao simular a fala de um adolescente em seu texto. O leitor se convence facilmente de que é um garoto de 16 anos contando sua história, o que parece ser o mínimo esperado, mas já vimos autores que não conseguiram diferenciar tão bem o tom de seus personagens… Da mesma forma, Phoebe, a irmãzinha de 10 anos, tem atitudes muito típicas de uma criança dessa idade. Inclusive, ela é um amorzinho.

Holden também tem um irmão mais velho, que nós só conhecemos por D. B. Ele é um escritor que foi para Hollywood escrever roteiros de cinema, o que nosso protagonista não perdoa, chegando até a dizer que o irmão “se prostituiu”. Essa é uma crítica de Salinger à industria do cinema, pela qual ele não parecia ter muita consideração, já que negou todas as tentativas de adaptação de sua obra.

Infelizmente, é necessário mencionar os vários assassinos famosos que se declararam fãs da obra, entre eles o de John Lennon, o da atriz Rebecca Schaeffer e o responsável pelo atentado contra a vida de Ronald Reagan. Mas vale frisar que a história de Salinger não induz, de maneira alguma, esse tipo de atitude. O protagonista é reconhecido por ser um desajustado, mas ele não é um criminoso, e sim uma pessoa que sofre com problemas psicológicos que só fere a si mesmo.

Outro fato desagradável relacionado a esse livro é que ele ganhou uma “continuação”, publicada em 2010 pelo sueco Fredrik Colting. Mas 60 Anos Depois: do Outro Lado do Campo de Centeio foi repudiada por Salinger, que não só se manifestou contra a publicação mas tentou impedi-la. Contudo, Salinger faleceu em 2010, mesmo ano do lançamento do livro. Nesse caso, se Salinger não considera essa como uma continuação, de fato, não é. É uma pena que outra pessoa se sinta no direito de se apoderar de um personagem dessa forma, mesmo contra a vontade do criador.

Fato é que O Apanhador no Campo de Centeio vai muito além da história de um menino insatisfeito com a vida e que acha todo mundo babaca. É uma jornada por seus traumas onde o mais importante está nas entrelinhas. Me apeguei a esse “reclamão” e, no final das contas, a única coisa que quero é que todos os Holdens do mundo fiquem bem.

Título original: The Cathcher in the Rye
Autor: J. D. Salinger
Páginas: 256
Editora: Todavia
Nota: 5/5

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