Fogo & Sangue
Uma das sagas mais bem sucedidas da atualidade é, sem dúvidas, As Crônicas de Gelo e Fogo. Na história de George R. R. Martin, várias famílias brigam para tomar o poder em Westeros e uma das importantes peças desse jogo dos tronos são os Targaryen.
Cerca de trezentos anos antes dos acontecimentos descritos em Guerra dos Tronos, Aegon Targaryen, chamado de O Conquistador, uniu os Sete Reinos de Westeros num único governo, dando início, assim, ao reinado dos valirianos domadores de dragões, o qual perduraria até a Rebelião de Robert.
É a primeira parte da história dos Targaryen que será contada em Fogo e Sangue, começando da conquista e indo até o período de regência antes de Aegon III chegar à maioridade.
Esse livro não é um romance, mas sim um relato histórico – ou uma “história imaginária”, como o próprio Martin define – cuja autoria recai sobre o arquimeistre Gyldayn. Durante o texto, ele utiliza outros meistres e até um bobo identificado por Cogumelo como fontes, muitas vezes deixando a cargo do leitor decidir qual versão mais se aproxima da verdade.
Dentre os fatos descritos na obra estão a construção de Porto Real, da Fortaleza Vermelha e do Fosso dos Dragões, além da destruição desse último, na chamada Dança dos Dragões, quando os Targaryen brigaram entre si pelo trono. Os impasses entre a família e a Fé Militante também são relatados, visto que a Fé dos Sete condena a poligamia e o incesto praticados pelos valirianos.
Muitos dos eventos das Crônicas foram inspirados em fatos reais, e não seria diferente com Fogo e Sangue, o qual apresenta questões da política cotidiana de Westeros que coincidem com nossa realidade, como a tributação, a inconsequência na gestão do patrimônio público e a corrupção.
“Encontrar um homem adequado para assumir a posição de lorde Edwell como mestre da moeda não foi tarefa simples. Vários de seus conselheiros sugeriram que o rei Jaehaerys indicasse Lyman Lannister, supostamente o senhor mais rico de Westeros, mas Jaehaerys não queria.
[…] No final, Jaehaerys fez uma escolha mais ousada e procurou seu homem do outro lado do mar estreito.
[…] Rego Draz era um mercador, negociante e cambista que surgiu do nada e se tornou o homem mais rico de Pentos […]. Mas como ele era um senhor sem terras, sem homens juramentados e sem castelo, algum espertinho do castelo o chamou de ‘Senhor do Ar’. O pentoshi achou graça.
– Se fosse possível cobrar tributos do ar, eu seria mesmo um senhor.” – Pág. 155
Como a linguagem visa simular a acadêmica, a leitura dessa obra não é extremamente fluida como estamos acostumados a ver nos romances de George Martin, exceto na parte que trata do Rei Jaehaerys, a qual envolve o leitor e se diferencia bastante do restante do livro. Talvez essa diferença de abordagem narrativa tenha ocorrido porque foi escrita por último, apenas em 2017, quando a ideia de Fogo e Sangue já estava bem delineada; enquanto as outras partes já estavam prontas desde 2012 e 2013, quando a intenção era fazer apenas algumas notas complementares que serviriam de consulta aos fãs da saga principal.
Dentre os trechos que mais instigam a curiosidade do leitor, talvez a volta de Aerea Targaryen e Balerion à Westeros e a doença que a acometeu aliado aos ferimentos sofridos pelo poderoso dragão, seja o que mais chama atenção. Há também um capítulo chamado “A Hora do Lobo”, onde temos um gostinho de Stark na trama.
Aparentemente, também descobrimos através do relato de Gyldayn, a origem dos dragões de Daenerys pois, apesar de Martin ter desmentido uma sinopse do livro que falava literalmente sobre isso, fato é que alguém fugiu de Westeros levando três ovos de dragões para Essos, sendo que a última informação que temos sobre eles é que foram vendidos ao príncipe de Braavos. Logo, apesar de não ser uma teoria confirmada, é impossível não fazer a ligação entre esses ovos e os filhos da Mãe de Dragões.
A edição da Suma de Letras, nova detentora dos direitos de tudo relacionado às Crônicas de Gelo e Fogo no Brasil, permite uma leitura bastante confortável apesar das quase 600 páginas desse primeiro volume. A capa é flexível e ilustrada por Jean-Michel Trauscht, sendo que a edição traz ao todo mais de 80 desenhos feitos por Doug Wheatley. Parte da árvore genealógica dos Targaryen – de Aegon, o Conquistador, até Aegon III – é apresentada, além de uma lista com todos os reis da família.
“- Encontrem cavaleiros para Asaprata, Vermithor e Fumaresia e vamos ter nove dragões contra os quatro de Aegon. Se montarmos e voarmos nos selvagens, vamos ter doze, mesmo sem Tempestade – observou a princesa Rhaenys. – É assim que vamos vencer essa guerra.” – Pág. 343
A tradução feita por Leonardo Alves e Regiane Winarski apresenta alguns problemas. O mais grave é a tradução de nomes já consagrados no cânone de Gelo e Fogo, como a famosa espada de aço valiriano dos Targaryen, a Blackfyre que virou Fogonegro nesse livro. Apesar de a tradução estar correta, obviamente, o problema reside no fato de que esse nome também deu origem à Casa Blackfyre e às Rebeliões Blackfyre, e aí surge o problema: como ficam os livros que já apresentaram essa espada com o nome em inglês? Os fãs mais atentos saberão que Blackfyre e Fogonegro são a mesma coisa, mas com certeza muitos leitores não farão a associação entre ambos, o que causa confusão num universo que já é bastante extenso e difícil de entender.
Além disso, há uma certa falta de padrão nessa tradução que realmente incomoda. Enquanto termos fundamentais como o citado acima foram traduzidos, outros permaneceram como os originais. Um exemplo simples dessa falta de coerência ocorre quando alguns dragões têm seus nomes traduzidos, como Asaprata (traduzido de Silverwing), e outros se mantêm no original, como Dreamfire.
Apesar de merecer uma revisão, Fogo e Sangue é um livro excelente, ideal para fãs da saga principal mas de forma nenhuma dependente dela, também podendo ser uma leitura muito divertida para quem não leu Gelo e Fogo e gosta de fantasia, política e história.
Partes dos acontecimentos narrados nele podem ser encontrados de forma mais abreviada em O Mundo de Gelo e Fogo (A Conquista), Crônicas de Espada e Feitiçaria (Os Filhos do Dragão), Mulheres Perigosas (A Princesa e a Rainha) e O Príncipe de Westeros e outras histórias (O Príncipe de Westeros). O Mundo de Gelo e Fogo, inclusive, é uma excelente leitura complementar para Fogo e Sangue, além de ser uma obra incrível que fala sobre todas as famílias mais importantes de Westeros.
Enquanto os Ventos do Inverno não chegam para curar nossa ansiedade pela continuação da saga nos livros, vamos nos divertindo com a história dos Targaryen. Ou, pelo menos, a primeira parte dela.
Título original: Fire and Blood
Autor: George R. R. Martin
Páginas: 598
Editora: Suma de Letras
Nota: 4/5
2 Comentários
Guilherme
A tradução das Crônicas De Gelo e Fogo é uma confusão danada. A começar porque os quatro primeiros livros não foram traduzidos do inglês, mas sim adaptados da versão do Jorge Candeias de Portugal. O primeiro livro é horrível de ler (ao menos a versão da Leya, que eu tenho). Nos três seguintes a adaptação foi feita com mais carinho, mas ainda assim, não é uma tradução para chamar de nossa. Aí na Dança dos Dragões finalmente recebemos uma tradução nossa, que ficou até boa, mas em total desconformidade com o resto da série (que, como disse, não foi traduzida diretamente). Agora parece que recebemos mais uma tradução sem coerência com o resto da saga. 🙁
Dito isso, na minha opinião, nada impede que a espada seja realmente traduzida como Fogonegro e a família siga sendo Blackfyre. É o que acontece, por exemplo, com a família Hightower, que tem sua sede em Torralta de acordo com nossa tradução.
Fogonegro (a espada) faz tanto sentido quanto Gelo, Garralonga, Agulha, etc.
Já traduzir Blackfyre (a família) faz tanto sentido quanto traduzir os nomes dos bastardos para Rios, Flores, Neves, etc
Já os dragões não tenho uma opinião formada. Mas de fato, ou traduz TODOS ou não traduz NENHUM.
Michelly Santos
Oi Guilherme!
Muito obrigada pelo comentário!
Eu acompanhei essa confusão com a tradução e realmente ficamos prejudicados. A saga de Gelo e Fogo merecia uma tradução só nossa, direto do inglês (tanto porque inglês é a língua mais fácil de traduzir, já que é muito difundida aqui!).
Concordo contigo na questão do nome da espada ser traduzido, não teria problema e seria mesmo mais condizente, já que as outras foram traduzidas também. O que me incomoda é que nos outros livros ela vem como Blackfire, então ou traduz desde o primeiro livro ou não traduz nenhum.
Mas é só uma questão de gosto mesmo. Chatice de leitor! kkkkkkkkk
Beijão!