Resenhas

Edgar Allan Poe: medo clássico

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Existem certos autores que possuem uma competência tão espantosa que fica até difícil pra nós, meros mortais, falarmos sobre eles. Poe é um desses autores.

Como já havia lido um ou outro conto dele, sabia o que me esperava quando embarquei nessa coletânea. E mesmo assim consegui me surpreender, não só em relação aos textos de Poe, mas sobretudo com a qualidade geral obra. Enigmático, ora Poe trata o leitor como um professor, explicando as minúcias de sua história; ora trata como um velho amigo, falando com paixão e arrebatamento.

Pioneiro, o autor desponta não só como cânone do horror, mas também foi responsável, por exemplo, por criar o primeiro detetive da literatura: Auguste Dupin, o sagaz personagem que iria inspirar um outro detetive muito famoso, Sherlock Holmes. Elementar, caro leitor.

Vale destacar que, além de Conan Doyle, Poe também influenciou escritores como Jorge Luis Borges, Henry James, Kafka, Thomas Mann, Jules Verne, Nabokov e Charles Baudelaire.

Partindo para a obra em si, é nítido o empenho da Darkside nessa edição, que, indubitavelmente, é uma das mais bonitas da editora. E por mais que saibamos que o importante mesmo é o conteúdo, não vamos negar: adoramos um livro bonito na estante. Ponto – mais um – pra Darkside.

A introdução, escrita pela tradutora Márcia Heloísa, traça um breve paralelo entre a biografia do autor e a composição de sua obra. Sua origem, suas influências, sua morte misteriosa, tudo conspira para a perpetuação de Poe como um dos maiores nomes da literatura. Logo em seguida nos deparamos com um texto escrito por Charles Baudelaire em 1852, onde ele tece comentários muito relevantes sobre Poe e sua obra.

Daí passamos aos contos, os quais estão divididos entre cinco temas, cada um abarcando três histórias.

O primeiro deles, Espectro da Morte, traz contos onde a morte ronda os personagens, seja na forma da tortura de um condenado, no testemunho do fim de uma família ou na personificação de uma doença em meio a um luxuoso baile. Todas essas histórias instigam a curiosidade do leitor sobre o que virá a seguir; são claustrofóbicas, angustiantes e mostram a faceta mais macabra de Poe.

O próximo tema, Narradores Homicidas, mostra o lado mais cruel do ser humano ao focar em homens com um aflorado instinto assassino. Nos três contos dessa seleção mergulhamos no subconsciente dos personagens diante de circunstâncias, no mínimo, inquietantes: a loucura que leva a atos extremos, a satisfação pela vingança e o tormento causado pela prática de um crime. Aqui, é interessante perceber o quanto Poe é eficaz em direcionar os sentimentos do leitor para onde ele quer.

Então chegamos aos casos do famoso detetive Dupin, a parte pela qual, juntamente com o poema O Corvo, eu estava mais curiosa. August Dupin é tão perspicaz que certas soluções beiram à adivinhação. Porém, o detetive sempre detalha o caminho que percorreu para chegar às suas conclusões; e enquanto Dupin dá uma aula de investigação, Poe dá uma aula de escrita. Os contos aqui são irreverentes, peculiares e muito originais.

Logo em seguida temos outro tema, Mulheres Etéreas. Essa me pareceu a parte mais emotiva do livro, com contos que podem ser entendidos como uma confissão de Poe, beirando a autobiografia. Falam do amor em sua forma mais perturbadora, são poéticos, alguns parecem até um desabafo do autor. Durante a leitura me senti assombrada, sim, mas também profundamente tocada pela agonia dos personagens que perdem suas amadas para sempre.

O último grupo de contos é Ímpeto Aventureiro, parte com menos elementos de horror mas que mantêm a estranheza característica das histórias do autor. Apesar de os três contos serem empolgantes, o último deles merece destaque pela ironia empregada por Poe como uma resposta às críticas que ele vinha recebendo por considerarem que seus textos não traziam uma moral. Assim, ele escreveu Nunca Aposte a Cabeça com o Diabo, um conto nonsense que traz uma moral bem clara até para aqueles que possuem alguma dificuldade de interpretação.

Por fim, o poema O Corvo ganhou um merecido destaque. Numa das partes mais incríveis dessa obra, talvez minha parte favorita, um texto escrito pelo próprio Poe nos explica as fases de construção de seu famoso poema. É praticamente um manual de como construir um texto. Essa oportunidade única de conversa com o mestre agregou muito à edição da Darkside.

Além disso, temos a chance de ler o poema no seu original, em inglês, e nas traduções de Machado de Assis e de Fernando Pessoa. E que poema maravilhoso! Belo e melancólico, justamente como era a intenção do autor.

E como se não bastasse os textos maravilhosos e as incríveis ilustrações antes dos contos, a editora ainda incluiu, nas últimas páginas, fotos da casa de Poe. Sem dúvidas, esse é um livro para se deliciar com a leitura e depois guardá-lo com muito carinho. Viva o mestre!

Autor: Edgar Allan Poe
Editora: Darkside
Nota: 5/5

11 Comentários

  • Josue Toledo

    Encantado com a qualidade deste conteúdo! A abordagem
    perspicaz e a riqueza de informações tornam a leitura
    envolvente. Parabéns pelo trabalho excepcional, é evidente
    o comprometimento com a excelência. Este artigo é uma
    valiosa contribuição ao conhecimento.

  • Michelly Santos

    Oi Fiacha!
    Eu sempre me proponho a ler livros de contos mais lentamente, um por mês, por exemplo. Mas fico ansiosa para terminar logo e não consigo me segurar! hehe
    Ainda mais quando é um livro tão maravilhoso quanto esse!
    Beijo!

  • Michelly Santos

    Oi Rudi!
    O Poço e o Pêndulo é o primeiro conto do livro e virou meu preferido! Já tinha lido O Gato Preto e A Máscara da Morte Rubra, e gosto mt deles tb. Poe é demais, tô apaixonada! 🙂
    Beijo!

  • Rudi

    Oi Milly,
    Tenho duas coletâneas do Poe aqui (infelizmente nenhuma delas é essa) e gosto muito do que já li dele, pelo menos da maioria, adorei reconhecer os contos que já li nos seus comentários.
    Meus favoritos dele são:
    O Gato Preto, O Poço e o Pêndulo e A Máscara da Morte Rubra

    Grande abraço!!

  • Michelly Santos

    Oi Renata!
    Eu bem queria ter digerido com calma cada conto, mas fico ansiosa pra acabar as leituras que gosto muito e acabo devorando o livro mt rápido. E foi isso que aconteceu com essa obra!
    Vou lá no seu blog ver suas impressões sobre os contos!
    Beijos!

  • Renata Bonasio

    Oi Michelly! Estou lendo essa obra maravilhosa aos poucos, digerindo bem cada conto. Lá no blog já tem as resenhas de alguns. Estou na parte do detetive Dupin e, realmente, ele dá um aula de investigação. Realmente, a Darkside se superou nessa edição!
    bjs

    Amor por Livros

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