Uma de minhas últimas leituras foi
O Que é fascismo? E Outros Ensaios, uma compilação de textos de George Orwell que alimentou antigas reflexões sobre até onde vai a liberdade do leitor de interpretar uma obra independentemente da intenção original do autor e também da opinião de pessoas influentes no mundo literário.
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Explico.
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Sempre me irritei com autores que pretendem direcionar a conclusão dos leitores para aquilo que lhes convém. É óbvio que não vejo problema se isso é feito de maneira clara, ou seja, se desde o início o leitor sabe que irá encontrar um texto parcial, direcionado à uma determinada opinião, tudo bem. O autor tem esse direito e não pretendo advogar contra a liberdade de expressão de ninguém. O que considero um problema é quando essa opinião é disfarçada para parecer algo imparcial quando, na verdade, há uma intenção obscura de fazer propaganda.
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Em tempos de disputas políticas acirradas, é normal que tenhamos um olhar mais crítico sobre o que nos cerca, e isso inclui a literatura. É certo que todos nós acreditamos em algo, temos convicções, crenças e opiniões muito particulares sobre todo tipo de assunto. Por mais que não tenhamos uma opinião formada, imediatamente fazemos um juízo de valor ao sermos confrontados por uma determinada situação.
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Obviamente, isso não seria diferente com os escritores que tanto amamos – ou nem tanto -, o que nos leva a crer que eles acabam por transferir essas convicções, crenças e opiniões para suas obras, propositalmente ou não. Mas isso significa que temos que interpretar um texto sempre de acordo com a intenção do autor? Acredito que não.
Como temos experiências de vida diferentes, cada leitor terá um determinado olhar sobre aquilo que está lendo. Um livro cujo personagem padece de uma doença terminal, por exemplo, provavelmente será recebido de forma diferente por quem vive ou viveu aquela situação e por quem apenas imagina como seria. É certo que todos irão se compadecer mas as reflexões tiradas do texto dependem de cada um, logo, por mais que o autor tenha a intenção de passar uma mensagem de esperança, o efeito pode ser o contrário para quem tenha perdido alguém da mesma doença.
Partindo desse exemplo é possível perceber o quão vasto é o campo de conclusões que podem ser tiradas de uma produção literária, seja ela qual for. Assim, não parece justo que você tenha que pensar exatamente aquilo que o escritor pretendia demonstrar.
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Mas a coisa complica quando adentramos em um tema: política. Muitos autores têm fortes convicções ideológicas e passam isso para suas obras, seja de forma proposital ou não. Quando o leitor opta por um livro cujo título é O que é fascismo? E Outros Ensaios, fica óbvio que encontraremos opiniões políticas ali dentro, o que significa que George Orwell não está enganando ninguém.
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Todavia, o leitor não precisa pensar da mesma forma que Orwell, não precisa concordar com os argumentos apresentados e não precisa ficar com raiva da obra ou do autor caso não concorde. Repito: as experiências de vida das pessoas são diferentes, portanto nossas reflexões também serão. Isso significa dizer que você pode ler um livro voltado à um viés ideológico e tirar conclusões completamente diferentes das que eram pretendidas pelo autor.
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Na verdade, enxergar as coisas de forma crítica é extremamente importante para não engolirmos a seco tudo o que nos é ofertado, às vezes até com péssimas intenções. Você pode gostar ou não de um autor, ou de um artista, ou de um partido político, ou de uma instituição, ou de uma causa, mas nada te impede de fazer um juízo de valor sobre as coisas que eles afirmam. Ninguém está certo o tempo todo e ninguém sabe mais o que é melhor para você do que você mesmo.
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Da mesma forma, é possível respeitar opiniões diferentes por menos que você concorde com elas. Se for algo muito absurdo para você, ignore. Mas se for possível um debate saudável e de alto nível, por que não trocar experiências? Uma das possibilidades mais incríveis do ser humano é a capacidade de mudar de ideia, o que só é possível se você estiver aberto a ouvir ideias contrárias. E é claro que não é porque aceitou o debate que terá que mudar de posição, sendo perfeitamente possível que você continue pensando da mesma forma.
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Especificamente com relação à literatura, chegar à um veredito diferente do que era a intenção do autor não é sinônimo de pouca inteligência, mas significa que você realmente aproveitou aquela leitura. Você compreendeu, refletiu, sopesou seus valores e chegou à sua própria conclusão.
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Tenha em vista também que muitas das verdades absolutas disseminadas sobre vários escritores, sobretudo os clássicos, não são necessariamente aquilo o que eles pretendiam, de fato, dizer. Como eles não estão mais aqui para exercer o contraditório, os “entendidos” do assunto – críticos, blogueiros, booktubers, especialistas – podem dizer o que quiser. Podem, inclusive, moldar seu discurso a fim de disseminar disfarçadamente suas próprias convicções.
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Infelizmente, vi muita gente fazendo isso nos últimos tempos. Deixei de acompanhar e admirar pessoas porque alguém que quer me manipular ou que não respeita quem pensa de forma diferente, não merece nem minha audiência nem minha admiração. Com isso, aprendi uma valiosa lição: desconfie de tudo, confie em você.
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O autor é livre para dizer o que quiser e o leitor é livre para entender da forma que quiser. Contudo, é imperativo que as opiniões contrárias sejam respeitadas. Portanto, não dê audiência para quem tenta te manipular ou para quem ironiza e te diminui por pensar diferente. Nós podemos, simplesmente, concordar em discordar. Que tal usarmos a literatura para espalhar essa ideia e mostrarmos que é possível conviver com as diferenças de forma racional, respeitosa e inteligente?
2 Comentários
Michelly Santos
Oi Emerson!
Obrigada!
Ótima semana pra você também!
Beijos!
Jovem Jornalista
Texto muito inteligente. Boa semana!
Jovem Jornalista
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Até mais, Emerson Garcia