A Senhora de Wildfell Hall foi escrito pela mais nova das irmãs Brontë, Anne, em 1848. No Brasil, a obra já foi publicada com outros dois títulos: A Inquilina de Wildfell Hall, pela Pedrazul; e A Moradora de Wildfell Hall, pela Landmark. A edição da Record, última a sair no mercado traz o texto integral traduzido por Julia Romeu.
Mas se a iniciativa de apresentar o texto integral foi o grande acerto da editora, um pequeno equívoco fica a cargo da tradução, que apesar de fluida e ágil, parece muito moderna para um texto do século XIX. Obviamente, esse fato não descarta a magia de mergulhar em mais uma obra das inigualáveis Brontë, mesmo não passando despercebido aos leitores habituados a ambientações no mesmo período.
O segundo e último romance de Anne foi também seu maior sucesso. Ele acompanha a trajetória de Helen Graham, uma mulher forte e determinada que, em plena Era Vitoriana, decide tomar as rédeas de sua própria vida e vai viver em Wildfell Hall com o filho. Lá ela encanta um jovem fazendeiro chamado Gilbert Markham, o qual fica incomodado ao perceber que a moça tem algo a esconder.
“- Bem – continuou Rose -, eu ia contar a vocês uma notícia importante que ouvi lá, e que estou ansiosa para passar adiante. Lembram-se de que um mês atrás nos disseram que alguém ia alugar Wildfell Hall? Bem, o que acham que aconteceu? A casa está habitada há mais de uma semana! E ninguém sabia de nada!
– Impossível! – exclamou minha mãe.
– Absurdo! – afirmou Fergus.
– Está, sim! E por uma mulher sozinha!” – Págs. 21-22
Construído como um romance epistolar e dividido em três momentos, A Senhora de Wildfell Hall pode ser considerado como uma história dentro de outra história. A primeira e última partes são narradas por Gilbert através de cartas dele para um amigo. Já a segunda fica a cargo do diário de Helen, meio pelo qual a protagonista revela seu grande segredo: ela é casada com o desprezível Mr. Huntingdon.
Arthur Huntingdon é o que podemos chamar de o vilão do livro. O marido de Helen leva uma vida desregrada, é irresponsável, alcoólatra e extremamente voluntarioso. A parte mais aterrorizante de sua personalidade fica por conta da forma vil que trata sua esposa, não sendo raras as vezes que tememos pela integridade física de Helen. No entanto, a tortura psicológica, por si só, já é suficiente para percebermos o estado de absoluta dependência das mulheres da época, o que Anne deixa claro ser a denúncia principal da obra.
Mas se hoje o que choca são os abusos cometidos pelo marido, o que escandalizou a sociedade na época do lançamento de A Senhora de Wildfell Hall foi o fato de a esposa se rebelar contra a situação, escolhendo viver sozinha com o filho. E é aí que a obra se prova como um clássico, levando o leitor de hoje para uma imersão em séculos passados e ensinando que erros outrora cometidos podem, e devem, ser corrigidos por uma sociedade capaz de evoluir desde que conserve o que há de bom e descarte costumes reprováveis.
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A única crítica ao texto que se faz necessária diz respeito à construção dos personagens masculinos. Talvez na ânsia por despertar os leitores para a cruel realidade das mulheres de seu tempo, Anne atribuiu a todos os homens da trama ou uma certa infantilidade ou até mesmo uma profunda crueldade. Mr. Huntingdon, por exemplo, sente prazer em atormentar sua esposa e não faz questão de esconder isso, tanto porque inúmeras vezes ele afirma que ela existe para diverti-lo. Até mesmo Gilbert demonstra pouca maturidade em vários momentos, o que o infantiliza diante de sua amada.
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Para ser justa, Anne também escreveu personagens femininas odiosas e até mesmo sua protagonista é irritante, às vezes, o que corrobora com a ideia de que o esforço para, de certa forma, diminuir os personagens masculinos era desnecessário em face a pluralidade e complexidade do comportamento humano de forma geral.
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“- O que constitui a virtude, Sra. Graham? Resistir às tentações ou jamais encontrar tentações para resistir? Quem é mais forte? O homem que ultrapassa grandes obstáculos e realiza coisas extraordinárias, embora ao custo de enorme exaustão, e arriscando-se à fadiga subsequente, ou aquele que passa o dia todo sentado numa cadeira, sem nada de mais laborioso a fazer além de avivar o fogo e levar comida à boca? Se a senhora quer que seu filho passe com honra por este mundo, não deve tentar remover as pedras de seu caminho, mas ensiná-lo a andar com firmeza sobre elas. Não deve insistir em levá-lo pela mão, mas deixá-lo aprender a ir sozinho.” – Pág. 38
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Seguindo o exemplo de suas irmãs, Anne construiu uma protagonista obstinada e à frente do seu tempo. Helen talvez seja a mais vanguardista entre as mulheres imaginadas pelas Brontë, o que é um grande elogio. Além disso, a autora emprestou à sua personagem uma religiosidade que ela própria possuía.
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A fé de Anne lhe deu coragem para enfrentar uma vida curta mas de muitas perdas, e foi justamente com esse ensinamento que a autora se despediu de sua última irmã viva. “Coragem, Charlotte” foram as últimas palavras da jovem que pereceu de tuberculose aos 29 anos. A Senhora de Wildfell Hall só foi reeditado depois da morte de Charlotte, tendo em vista que ela não permitiu que o romance de Anne voltasse a ser publicado por considerá-lo “um erro absoluto”, de acordo com suas próprias palavras.
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Hoje, a irmã até então menos celebrada dessa talentosa família vem ganhando o destaque que merece. Com sua curta trajetória literária, Anne Brontë finalmente parece ser reconhecida pelo que foi: uma escritora magnífica e uma mulher que nos serve de exemplo.
Autora: Anne Brontë
Editora: Record
Nota: 5/5