Resenhas

A Casa das Belas Adormecidas

Yasunari Kawabata, laureado com o Prêmio Nobel de 1968, é um dos maiores representantes da literatura japonesa do século XX. Em A Casa das Belas Adormecidas, publicado pela primeira vez em 1961, o autor apresenta uma narrativa sensorial e inquietante, onde senhores de idade avançada – e normalmente impotentes sexualmente – pagam para passar a noite com garotas adormecidas e completamente nuas.

O protagonista da história de Kawabata é Eguchi, um homem de 67 anos que vai à peculiar hospedaria apenas por curiosidade, segundo o próprio. Apesar disso, no decorrer da obra o leitor começa a perceber o real caráter do protagonista, o que torna fácil concluir que Eguchi é exatamente o tipo de pessoa que frequentaria um lugar como aquele.

Esse não é o tipo de livro que trará grandes acontecimentos ou diálogos memoráveis. Na verdade, esses dois elementos são quase inexistentes no texto. O que você vai encontrar são reflexões filosóficas sobre o correr do tempo e uma construção de personagem magnífica. Nós vamos desvendando Eguchi a cada passar de página, a cada jovem com quem ele passa a noite, a cada memória que ele nos mostra.

Assim como na vida real, no início do texto temos contato apenas à superfície do protagonista, contudo aos poucos deixamos de lado o que ele aparenta ser para mergulhar no que ele é, de fato. E eu, particularmente, não gostei nem um pouco do Eguchi de verdade, mas tenha em mente que essa é apenas a minha percepção.

Um dos maiores acertos de Kawabata foi ter escolhido um narrador imparcial para seu livro. Assim, o leitor fica livre para decidir o que pensar sobre todos os aspectos da obra. Por isso, não se espante ao se deparar opiniões completamente diferentes sobre ela.

“Uma mulher mergulhada no sono, que não fala nada, que não ouve nada: não seria, por outro lado, o mesmo que falar tudo, escutar tudo de um velho que já não tem virilidade para fazer companhia a uma mulher?” – Pág. 22

Esse é um livro introspectivo, onde o resultado da sua experiência de leitura depende exclusivamente da sua visão de mundo e daquilo que você acredita. É certo ou errado frequentar aquele lugar? Os clientes despertam nojo ou compaixão? Esses são exemplos de perguntas que ninguém, além de você, pode responder.

O autor foi muito feliz em utilizar os aromas como artifício para desmistificar o protagonista. O primeiro cheiro que Eguchi percebe é o de leite, o que o faz rememorar histórias do passado relacionadas aos seus filhos. A partir daí os cheiros vão mudando e marcando um certo tipo de incapacidade daquele homem de julgar suas ações a cada noite na hospedaria. O último aroma que ele sente é o “de pecado”, quando ele ultrapassa as barreiras que ele mesmo se impôs logo em sua primeira noite com uma das belas adormecidas.

Apesar do livro despertar o interesse do leitor pelo apelo sexual que promete, não se engane. Essa também não é uma narrativa que visa discutir a questão da mulher na sociedade, portanto, muito embora você possa utilizar o texto para debater o tema, tenha em mente que essa não é a intenção de Kawabata. Em resumo, podemos considerar que estamos diante de uma história sobre solidão. Assunto esse que reflete muito a vida do autor, o qual perdeu todos os seus familiares e acabou dando fim à própria vida no ano de 1972.

A Casa das Belas Adormecidas serviu de inspiração a Gabriel García Márquez para o seu Memórias de Minhas Putas Tristes (2004), bem como para a peça de 1983, The House of Sleeping Beauties, de David Henry Hwang. A obra também foi adaptada para o cinema duas vezes, a primeira no Japão em 1995, e a segunda na Alemanha, em 2006.

A edição da Estação Liberdade foi traduzida direto do idioma original por Meiko Shimon e tem uma fonte grande, o que compensa as páginas brancas. Não há textos complementares, mas as orelhas do livro trazem informações bastante satisfatórias sobre obra e autor.

Para quem deseja conhecer melhor a literatura japonesa, Kawabata e suas belas adormecidas são, sem dúvidas, um excelente começo.

Título original: Nemureru Bijo
Autor: Yasunari Kawabata
Páginas: 128
Editora: Estação Liberdade
Nota: 4/5

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