A Abadia de Northanger
Apesar de ter sido uma das primeiras obras escrita por Jane Austen, A Abadia de Northanger só foi publicada em dezembro de 1817, cinco meses após a morte da autora. Isso, de certa forma, justifica a diferença considerável entre essa narrativa e as dos outros romances da inglesa.
O cenário escolhido para a história é Bath, um balneário inglês para onde a protagonista, Catherine Morland, viaja com um casal de amigos. A mocinha desse romance é descrita como uma jovem de aparência normal – nem muito feia, nem muito bela -, membro de uma família que podemos considerar de classe média e que logo mostra seu interesse pela leitura, sobretudo pelos romances góticos.
Na época em que Jane escrevia a obra, o gênero gótico despontava com muita força e a autora não perdeu a oportunidade de fazer uma sátira inspirada nesse movimento literário, o qual ganhava cada vez mais apelo popular.
Mas o romance não começa logo fazendo tal referência. Antes disso, a autora constrói sua narrativa de uma forma mais próxima ao que vemos ao longo de sua carreira. A maior diferença é que, aqui, ela interfere na trama enquanto narradora, conversando com o leitor e, curiosamente, me lembrando muito o estilo de nosso Machado de Assis.
Em uma de suas intervenções, ela faz até um desabafo aos críticos do romance, apelando pelo respeito a todo e qualquer tipo de obra literária feita com cuidado e responsabilidade. Mas ao longo da história tal defesa soou um pouco contraditória, já que A Abadia de Northanger se dedica a algumas críticas ao gótico, inclusive criando um estereótipo do que Jane deveria entender como a leitora típica desse gênero.
Apesar de não inserir os elementos góticos logo na primeira parte do enredo, alguns detalhes já são mencionados. Um deles é a referência à Os Mistérios de Udolpho, de Ann Radcliffe, o que já aguça os sentidos do leitor para o que viria a seguir.
Catherine lê esse livro junto de sua nova amiga, Isabella Thorpe, a qual tem um irmão que se mostra imediatamente interessado na protagonista. Mas Catherine só tem olhos para Henry Tilney, um rapaz tão irônico que nos deixa confusos em diversos momentos em relação às suas opiniões.
“- Você não deveria convencer-me de que penso tanto no sr. Tilney, pois talvez eu nunca mais volte a vê-lo.
– Não voltar a vê-lo! Minha querida, não fale isso. Tenho certeza de que se sentiria infeliz se pensasse assim!
– Não, eu não vou mesmo. Não vou fingir que não gostei muito dele; mas enquanto tiver o Udolpho para ler, sinto que ninguém pode fazer-me infeliz.” – Pág. 637
Tilney é o grande trunfo dessa história, em minha opinião. Austen conseguiu imprimir nele uma personalidade bastante complexa e realista, diante da qual o leitor não sabe o que pensar e precisa ir descobrindo sobre ele aos poucos, junto da personagem principal. Isso, por si só, mostra que a competência da autora na criação de seus personagens vem desde suas primeiras experiências na escrita.
Isabella é uma personagem peculiar. Ao mesmo tempo em que afirma ter profundo desprezo pelos homens, seu comportamento demonstra exatamente o contrário. Além disso, ela é afetada e exagera ao demonstrar seus sentimentos, o que soa como algo duvidoso. Por outro lado, a moça aparenta realmente gostar de Catherine, o que obriga o leitor a se atentar aos detalhes para fazer seu próprio julgamento.
Já o irmão da srta. Thorpe, John, não deixa dúvidas. Ele é chato, inconveniente e representa o empenho da sociedade do século XIX em demonstrar um poder e uma altivez que eram, por vezes, falsos. Outra crítica que Jane faz nessa obra e não pode deixar de ser citada, é com relação à posição que era ocupada pelas mulheres.
Quando passamos à segunda metade do romance, o gótico toma seu espaço ao conhecermos, finalmente, a Abadia que empresta seu nome à trama. Para criar sua alegoria, a autora lança mão daquela descrição estereotipada de como as leitoras desses romances agiriam, a qual citei no início desse artigo.
Demonstrando ser extremamente impressionável, Catherine passa a enxergar indícios de que um crime terrível aconteceu naquele local. É aí que ela se transporta para uma trama que só acontece em sua imaginação, como se fosse uma personagem de um de seus livros preferidos. Mas a busca de Austen por criar um clima sombrio e cômico ao mesmo tempo acabou por resultar numa paródia que transparece o desagrado da inglesa com esse estilo literário.
O mais curioso da obra é que logo no início Jane Austen, no papel de narradora, se refere a Catherine como uma “heroína”, mas o percurso da personagem não condiz com esse título. Isso pode ser apenas a primeira ironia com relação ao gótico – fazendo alguma menção às suas protagonistas, talvez -, mas prefiro ligar à inclinação da autora por histórias do cotidiano da sociedade em que ela estava inserida. Assim, Catherine seria então uma das tantas heroínas da vida real.
Olhando por esse viés, A Abadia de Northanger vale como um prelúdio do que a autora produziria a seguir em sua magistral carreira. Esse pode não ser o melhor livro de Austen, em minha opinião, mas é tão digno e louvável como qualquer uma de suas outras obras.
Título original: Northanger Abbey
Autora: Jane Austen
Páginas: 149
Editora: Martin Claret
Nota: 3/5