Sobre romances de formação e motivos para conhecê-los
Desde que descobri minha paixão pelos clássicos ingleses, passei a observar que muitos deles seguem uma forma narrativa denominada de bildungsroman, ou simplesmente “romance de formação”. Mas, como você pode observar pelo termo original, esse estilo não surgiu na Inglaterra e sim na Alemanha, cunhado pelo professor de filologia clássica Karl Morgenstern. Mais tarde o próprio filólogo associou o termo à obra de Goethe, Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister, considerado, desde então, o primeiro romance de formação da história.
Basicamente, esse tipo de narrativa acompanha a jornada de vida do protagonista da história desde a infância ou adolescência até a maturidade, mostrando seu desenvolvimento psicológico, moral, social, espiritual e político. Ou seja, narra o processo de amadurecimento desse personagem.
Mas você não precisa ler Goethe para ter acesso a um bildungsroman, vários livros contemporâneos, inclusive obras de fantasia muito conhecidas se amparam nessa forma narrativa. É o caso da saga de Harry Potter, um garoto que é apresentado ao leitor ainda na infância, quando passamos a acompanhar seu crescimento e aprendizado até a idade adulta.
Não confunda o romance de formação com a “jornada do herói”, que Joseph Campbell definiu como um padrão de narrativa onde alguns passos devem ser seguidos para, em linhas gerais, transformar um homem comum em um herói. Por mais que em Harry Potter, assim como na maioria das histórias de fantasia, a jornada do herói também esteja presente, seu conceito não é o mesmo que o de romance de formação.
Caso você nunca tenha lido nada desse tipo, ou se leu mas não sabia do que se tratava, que tal selecionar alguns bildungsroman para uma leitura mais atenta, observando tudo o que ela tem, de fato, a te oferecer? Se você ainda precisa de incentivo, vou te dar 5 motivos para que você mergulhe fundo nessas narrativas.
1. É uma forma de conhecer grandes obras da literatura
O romance de formação foi utilizado por escritores importantíssimos ao longo da história, por isso alguns dos maiores clássicos literários apresentam essa narrativa. É o caso de Jane Eyre, de Charlotte Brontë; de Grandes Esperanças, de Charles Dickens; de Retrato do Artista quando Jovem, de James Joyce; de O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, entre muitos outros.
Basta escolher entre as sinopses a que mais te agrada e iniciar sua travessia pela vida de algum personagem que, com certeza, vai te marcar para sempre.
E como esse tipo de história normalmente nos deixa curiosos pelo que vem a seguir, a leitura flui tão bem que você nem vai notar que está lendo um livro de séculos passados. Portanto, caso você tenha alguma restrição aos clássicos, aí está a oportunidade perfeita para perceber o quanto eles podem ser maravilhosos.
Leia mais sobre isso no artigo Quem tem medo dos clássicos?
2. Você vai se identificar com os personagens
Mesmo que você tenha uma experiência de vida totalmente diferente daquela pela qual o personagem está passando, as dúvidas e as reflexões dele uma hora irão coincidir com as suas. Os seres humanos são complexos, mas se formos pensar friamente, temos muitas semelhanças. Paradoxal, né?!
Mas pensa bem, todos temos mais ou menos os mesmos medos, as mesmas incertezas com relação ao futuro, inseguranças em comum. O comportamento de um personagem pode, de alguma forma, espelhar o seu, o que vai te ajudar a refletir sobre sua própria vida. Se essa identificação já ocorre em outros tipos de narrativas, imagina em uma que tem como o principal objetivo mostrar uma rotina como ela acontece de verdade, que é o caso do bildungsroman.
Ou seja, você pode terminar a obra sentindo que leitura realmente promoveu alguma mudança em você, o que é uma das melhores sensações que um leitor pode sentir!
3. Existe romance de formação para todos os gostos
Como já falei no início desse artigo, nem só de clássicos vive essa construção narrativa. Você vai encontrá-la dentro da literatura fantástica como na incrível Crônica do Matador do Rei, onde acompanhamos Kvothe contar sua história desde a infância até a idade adulta. Ou seja, literatura de qualidade pra quem não está muito afim de ler um cânone no momento.
Também tem literatura contemporânea, se é dela que você gosta! O Pintassilgo, escrito por Donna Tartt e lançado em 2013 é um exemplo disso. Outras opções seriam Norwegian Wood, publicado em 1987 por Haruki Murakami, se você gosta ou quer conhecer a literatura japonesa; ou As Vantagens de ser Invisível, de 1999, escrito por Stephen Chbosky, se você prefere livros para jovens adultos.
Uma obra ambientada na sua época, com situações mais próximas àquelas que você presencia, ou dentro de algum gênero o qual você tem maior familiaridade pode te permitir entrar na história de corpo e alma, então é só pesquisar que é possível encontrar muitos romances de formação nos mais variados estilos.
4. É um bom início para aprender história
Como esse tipo de narrativa percorre vários anos, as transformações políticas e sociais do lugar onde ela é ambientada serão demonstradas, não raro com bastante detalhes. É o caso de David Copperfield, onde o leitor acompanha o personagem-título crescendo numa Inglaterra às voltas com a Revolução Industrial. Outro exemplo é a obra de Thomas Mann, A Montanha Mágica, que narra o clima da Europa antes, durante e depois da Primeira Guerra.
Além dos fatos históricos extremamente relevantes, o bildungsroman também permite ao leitor mergulhar nos detalhes menos grandiosos de uma determinada época, observando como era o dia a dia de nossos antepassados através da escrita de pessoas que realmente viveram aquela experiência.
Em Esaú e Jacó, por exemplo, Machado de Assis narra o amadurecimento de dois irmãos gêmeos no período onde ocorreu a transição da Monarquia para a República em nosso país. Ou seja, é história do Brasil como pano de fundo de um romance, contada por alguém que a testemunhou.
5. Ajuda a desenvolver a tolerância e promove o conhecimento pessoal
O romance de formação nos conduz numa investigação sobre o que leva uma pessoa a ser o que é. O que molda a personalidade de um ser humano, como nossas escolhas determinam nosso caráter e até onde elas podem nos levar são apenas algumas das importantes discussões propostas por esse tipo de narrativa.
Observando as reações do personagem ao longo da vida, o leitor tem a oportunidade de se colocar no lugar dele, exercendo a empatia antes de apenas criticar as escolhas que julga equivocadas. Pode também fazer uma autorreflexão sobre suas próprias atitudes e o caminho que tem tomado, se aperfeiçoando e corrigindo comportamentos nocivos a si e às outras pessoas.
Sempre com textos ricos e histórias arrebatadoras, o romance de formação não tem contraindicação. Portanto, não perca tempo e vá logo procurar o seu.
9 Comentários
Fernanda
Acabo de ler Com armas sonolentas, da Carola Saavedra. Li em duas sentadas de algumas horas. É arrebatador, devastador e urgente.
Muito bom artigo, parabens! E obrigada.
Aline
Oi Michelly tudo bem?
Gostei de saber mais um pouco sobre o termo técnico utilizado para os romances de formação; quando pensava no estilo apenas assimilava os grandes clássicos adorei saber que não é bem assim. Beijos
Divagando Palavras
http://www.divagandopalavras.com
Michelly Santos
Tudo ótimo, Aline! Espero que com você também! 🙂
Muita gente liga esses termos mais técnicos com a literatura clássica mas nesse caso tem em todos os gêneros mesmo. Só procurar direitinho que você encontra algum que te agrade!
Beijos!
Ana Lícia Morais
Olá!
A primeira vez que tive contato com esse termo foi em um desafio da Mell Ferraz do blog literature-se, o romance de formação é um dos tópicos para o desafio e eu achei isso bem interessante. A minha escolha foi Jane Eyre, ouço muita gente falar bastante dessa obra e acho que vai ser uma experiência muito boa.
Não sabia direito o que significava esse termo, adorei conhecê-lo ainda mais. Adoro quando a história faz a gente ver o que o personagem passou e nos faz entender o motivo de agir e ser de determinada maneira. É muito legal acompanhar a trajetória, tenho certeza que lerei mais livros desse estilo.
Adorei o post, como sempre!
Beijos
Michelly Santos
Oi Ana!
Eu vi o desafio da Mell mas infelizmente não vou conseguir participar. 🙁
Você fez uma excelente escolha para romance de formação, tenho certeza que você vai gostar!
Muito obrigada pelo elogio <3
Beijos!
Aparecida Luna
Mi? Sabe que me interessei pelo livro Esau e Jacó? Literatura aliada a história deve ser muito interessante. Principalmente história do Brasil narrada por quem viveu essa época de transição.
Michelly Santos
Você vai amar, Aparecida, tenho certeza! Ainda mais sendo professora de história! Vai ler sobre a transição pelas palavras de uma testemunha ocular! 😉
Se quiser eu te empresto, tá?! Só falar. Mas não conta pra ninguém… kkkkkkkkk
Beijo!
Carol Cristina
Oi Michelly, ótimo post!
Adoro romances de formação, que mostram a vida do personagem desde a infância às vezes até a morte, acho que são muito ricos e interessantes!
Vi o filme Jane Eyre e gostei, quem sabe não dou uma olhada no livro dia desses? Grandes esperanças eu estava olhando esses dias, já que nunca li nada do Chaplin!
Bjs
http://acolecionadoradehistorias.blogspot.com
Michelly Santos
Olá Carol!
Jane Eyre é só o meu livro preferido da vida! Ou seja, super recomendo!
Grandes Esperanças, na verdade, é do Dickens. Vc deve ter confundido Chaplin com o primeiro nome dele, que é Charles. 😉
Beijão!