Resenhas

Memórias Póstumas de Brás Cubas

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Memórias Póstumas de Brás Cubas foi um livro inovador em vários aspectos, começando pelo fato de que ele inaugurou o realismo no Brasil. Escrita por Machado de Assis, a história foi publicada como folhetim durante o ano de 1880 e como livro em 1881, mas é ambientada na primeira metade do século XIX, descrevendo um retrato fiel da sociedade através das mudanças ocorridas, incluindo a Independência do Brasil, em 1822.
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Mais uma prova de sua vanguarda repousa na escolha do narrador: um defunto. Mas não é um autor defunto, e sim um defunto autor, como o próprio afirma. E como ele já morreu mesmo, não tem as características de um típico narrador em primeira pessoa, o qual tende a contar a versão da história que seja mais benéfica a si próprio, não sendo totalmente confiável. Brás Cubas não, ele está além do julgamento do leitor, não tem mais a intenção de impressionar e nada a perder, visto que já perdeu tudo, inclusive a vida.
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E assim, sem a censura imposta pelos filtros sociais, conhecemos a fundo um protagonista longe de ser um herói, o qual nos conta sua tentativa fracassada de uma existência relevante. Brás Cubas nunca foi um exemplo, desde a infância sem limites, passando pela juventude pródiga até se transformar num adulto improdutivo, que nunca trabalhou para garantir seu pão, coisa que ele também afirma durante o texto, sem o mínimo tom de lamento.
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Lançando mão de um recurso muito interessante da literatura, o narrador interage bastante com o leitor. Claro que, se tratando desse protagonista, essa interação às vezes acontece de forma um tanto bruta, sendo que Brás chega a dizer que o leitor é a pior parte daquela história. Mas esse mesmo leitor não pode se sentir ofendido pois foi avisado, lá no início da obra, que a “franqueza é a primeira qualidade de um defunto”.
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Essa ligação perfeita entre os elementos da trama, o comportamento verossímil dos personagens e a construção do texto com o uso de figuras de linguagem muito bem colocadas, além de belas, são qualidades que apenas mestres da estatura de Machado de Assis conseguiram alcançar com tal excelência.
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A famosa ironia machadiana também está presente, ainda mais tendo em vista que o próprio protagonista é a grande piada do livro. A certa altura, Brás Cubas afirma que sua história é uma história de negativas, fazendo alusão a uma vida que não deu certo, vazia. Apesar de ter tudo a seu favor, ele não construiu nada. Foi tão irrelevante que teve 11 pessoas em seu enterro, e também nesse ponto Machado é certeiro quando introduz no enredo a morte de outras pessoas consideradas inexpressivas por Brás as quais também não tiveram grande comoção frente à suas mortes. Aí fica claro que o uso da citada ironia é feita de forma sutil, exigindo a atenção do leitor para captá-la, sob pena de não absorver corretamente a aula de literatura que um livro de Machado de Assis representa.
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Nenhuma linha de Memórias Póstumas é em vão, apesar de o narrador tentar nos convencer do contrário várias vezes. Muitas dessas linhas, inclusive, estão imbuídas de críticas àquela sociedade, como quando um escravo alforriado maltrata outro de sua propriedade, da mesma forma que outrora seu senhor havia feito com ele.
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Como curiosidade vale ressaltar a participação de Quincas Borba, outro famoso personagem do autor. Também é digna de nota a dedicatória desse livro: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa estas Memórias Póstumas”. Difícil não se sentir instigado a ler um livro que se apresenta dessa forma.
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A edição que li faz parte do box Todos os Romances e Contos Consagrados de Machado de Assis, da Nova Fronteira. Ela, em si, é belíssima e não possui graves erros de revisão. Só observei alguns inícios de frases com letra minúscula, o que, apesar de me incomodar, não prejudica a leitura. Como é um livro que contém três romances do autor, não possui textos complementares, contando apenas com o prólogo de Machado. A fonte tem um tamanho muito bom e as páginas amareladas, queridinha dos leitores, tornam a leitura bem mais confortável que as edições de páginas brancas.
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Esse é muito mais que um livro magnífico e brilhantemente escrito, mas representa um marco na nossa literatura. Machado de Assis não só rompeu com o romantismo dando início ao realismo no Brasil, como inovou de inúmeras outras formas, seja através do narrador, seja através da forma com que o texto de Memórias Póstumas se apresenta.
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A linguagem é, sim, rebuscada e arcaica, mas o leitor não deve nunca julgar uma obra clássica com os olhos do presente. É certo que quem o fizer irá enxergar inúmeros defeitos nos livros e na escrita desse grande autor. Mas tenham uma coisa em mente antes de cometer esse grave equívoco: ao ler Machado estamos diante de um dos maiores autores de todos os tempos, um autor que ultrapassou fronteiras tornando-se motivo de orgulho para um país o qual vem testemunhando a decadência completa de sua cultura, um autor que não só descreve mas também é a própria representação de nossa literatura, alguém que deve ser aclamado como um verdadeiro herói nacional.

Um herói que enfrentou o preconceituoso século XIX sendo mulato, gago e epilético, e mesmo assim conquistou o que quase ninguém conseguiu: marcar seu nome na história.

Autor: Machado de Assis
Editora: Nova Fronteira
Nota: 5/5

10 Comentários

  • Michelly Santos

    Oi Ozzy!
    Estou adorando essa sua maratona de comentários! hehe…
    Leia Machado sim, ele é muito incrível, sem dúvida é o maior escritor brasileiro, um dos maiores do mundo!
    Beijos!

  • Ozzy

    Ola,
    Voltei para terminar de ver aqui o qur tinha perdido nesse tempo longe hahaha
    Eu nunca li Machado (nao me agrida), e eu trnho ate uma vergonha de dizer isso, mas e um autor que tenho muita vontade de ler, inclusive acho que naquele projeto do Brasil Literario tem um livro dele (e sim, eu ainda estou dando andamento aos projetos de leitura que tinha mesmo longe do blog). Sendo assim, em breve vou poder conhecer esse autor.
    xoxo

    P.S.: Releve erros de digitaçao, tenho dedos grandes demais para a tela do meu celular atual hahahaha

  • Michelly Santos

    Oi Rudi!
    Eu tb acho que ela não traiu nada, o Bentinho é assumidamente ciumento e doido. kkkkkkkkk
    Esse ano vou reler Dom Casmurro. Quero ver qual será minha impressão dessa vez.
    Beijos!

  • Rudi

    Oi Milly,
    Então, comecei a ler esse livro ano passado, mas não dei sequência, agora me deu vontade de retomar, a única coisa que li, completa, do Machado foi Dom Casmurro, e, para minha própria surpresa, eu gostei. Inclusive sou do time que não acredita na traição da Capitu, pra mim o Bentinho é louco

  • Michelly Santos

    Oi Nívea!
    Te entendo perfeitamente. Os arcaísmos dos clássicos dificultam a leitura até certo ponto, mas acho o conteúdo deles tão ricos que vale a pena o esforço para ultrapassar essa barreira!
    Mas, se de qq forma, vc não gostar do livro ou não se identificar com o autor, não tem problema tb. Tem muitos livros maravilhosos por aí, né?! 😉
    Beijo!

  • Michelly Santos

    Oi Nanda!
    Mesmo sendo a segunda vez que li esse livro, nunca vi o filme, acredita?!
    Acho Memkórias Póstumas tão peculiar que não consigo pensar num livro que eu possa relacionar à ele. Talvez Quincas Borba terá essa mesma pegada mas esse eu ainda não li, então não sei. Será o próximo Machado que lerei, aí eu te conto.
    Mas numa comparação mais abrangente, eu te recomendaria os livros do Jô Soares, já leu algum? Ele tem um humor bastante peculiar também e a escrita é bem gostosa. Não é tããão parecido com Machado, mas tem humor, então fica a dica.
    Beijos!

  • Nanda Sales

    De todos os livros nacionais e portugueses que meu colégio me recomendou (por causa do ENEM), Memórias Póstumas de Brás Cubas foi o único que gostei, até cheguei a assistir o filme. Acho que o problema dos livros nacionais é que a maioria foca em "pobreza", parece que é sempre a mesma lamentação (não tenho paciência nenhuma com esse tipo de história), já esse (Memórias Póstumas de Brás Cubas), conta uma história completamente diferente, é meio tragicômico, um estilo que muito me agrada. Você conhece algum outro livro nacional tão divertidinho e diferente quanto esse para me recomendar? Vou adorar conhecer.
    Parabéns pela postagem, ficou ótima!
    Beijinhos <3

    Toca da Lebre

  • Nívea Freitas

    Olá Michelly
    Eu tenho alguns problemas com clássicos, principalmente quando são escritos em outros séculos (a grande maioria) pois a linguagem torna-se um pouco difícil de entender, o que é o caso de memórias póstumas de Brás Cubas. Eu tentei ler quando tinha uns 15 anos, mas não continuei por não conseguir processar o que Machado de Assis quer nos dizer, talvez se eu tentar ler hoje eu entenda melhor, mas eu vou esperar mais um pouco, sei que esse livro tem muito a dizer.

    estanteclassica.blogspot.com

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