Resenhas

Lolita

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Vladimir Nabokov é popular no meio acadêmico principalmente por seus livros críticos, contudo foi com o inquietante Lolita que teve sua imagem projetada no mundo inteiro.
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E não era para menos.
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Lolita é um romance polêmico que trata da paixão de um homem adulto por uma criança. Não bastasse o tema espinhoso, Nabokov teve o brilhantismo de optar pela narrativa em primeira pessoa, o que nos aproxima desse homem perturbado e confunde nossos sentimentos durante todo o enredo. Contudo, como sabemos, a narrativa em primeira pessoa é perigosa, visto que temos que ter o cuidado de não confiar plenamente em tudo o que está sendo contado, já que conhecemos apenas um lado da história.
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E se o assunto é narrador não confiável, Humbert Humbert será o melhor exemplo que iremos encontrar.
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O narrador criado por Vladimir Nabokov admite que sofre de distúrbios psicológicos mas, por outro lado, acredita piamente que não há nada de errado no amor que nutre por uma menina de 12 anos. E a escrita do autor é tão magnífica que precisamos nos lembrar a todo momento quem é o objeto daquele amor ou corremos o risco de torcer por ele. Humbert Humbert se desnuda diante do leitor ao mesmo tempo que nos dá a impressão de estarmos sendo ludibriados por suas belas palavras.
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E da mesma forma que temos a impressão de não conhecermos o verdadeiro Humbert, também nos questionamos sobre a verdadeira Lolita. A garota que conhecemos através dos olhos de seu protetor – ou seria algoz? – é a Dolores real? Suas atitudes e suas intenções são descritas conforme a interpretação do narrador, mas será que ele a interpreta de forma correta? Enfim, Lolita é um livro que te deixará com mais dúvidas do que respostas, mas que vale muito a pena.
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O texto de Lolita é delicioso, refinado, lírico. Seu primeiro parágrafo é citado no mundo inteiro como um dos inícios de livro mais belos da história. E é mesmo.Como toda obra que merece ser lembrada, ele nos faz pensar sobre nossos valores e nossas hipocrisias. Cada virada de página nos provoca diversos sentimentos. Raiva, compaixão, nojo, ternura. Tudo misturado na leitura de apenas uma frase, oferecendo o melhor da literatura.
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Outra característica forte nessa obra é a ausência completa de censura. O leitor não irá encontrar descrições pormenorizadas de sexo, por exemplo, mas Nabokov não precisou disso para criar cenas sensuais com pequenas pitadas de elementos fisiológicos, os quais são responsáveis por quebrar o romantismo do texto e nos trazer à realidade.
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Cada leitor irá entender a história de uma forma visto que este foi um livro escrito com o intuito de sair do lugar comum. Uns dirão que é um livro sobre pedofilia, outros dirão que é sobre obsessão, outros ainda que é um romance. Particularmente julgo equivocada a ideia de romance, mas em certo momento do texto confesso que me perguntei se Lolita não estaria melhor com o insensato Humbert. Por outro lado, penso que todas as tragédias na vida da garota se deram por causa do abjeto Humbert.
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Como lidar com essa obra? Ainda não sei. O que sei é que ela é maravilhosa, extremamente bem escrita e com uma trama que nos surpreende a todo momento.
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Originalmente, Lolita foi publicado em 1955 e é, até hoje, um dos livros mais controversos do cenário literário. Essa edição da Alfaguara é excelente, folhas amareladas, fonte boa e uma tradução competente feita por Sergio Flaksman.
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Uma curiosidade sobre a tradução é que Nabokov chegou a dizer que gostaria que essa história fosse traduzida por um homem. Parece estranho, talvez até preconceituoso, mas acabamos entendendo esse pedido, visto que logo ao iniciar a leitura a sensação que temos é a de esse é realmente um texto escrito por um homem. Outra observação importante diz respeito a um comentário de Mario Vargas Llosa, no qual ele afirma que Lolita é um livro para ser lido no original, ou seja, em inglês. Se Llosa diz, farei isso em breve.
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De qualquer forma, Lolita é um clássico da literatura que nos encanta e nos enoja na mesma proporção, além de, claro, nos presentear com uma aula de escrita. É, com certeza, uma leitura indispensável aos amantes da literatura.
Autor: Vladimir Nabokov
Editora: Alfaguara
Nota: 5/5

17 Comentários

  • Ozzy

    Ho,
    Ja comentei aqui antes, mas eu tengo serios problemas com esse livro, eu comecei ele a algum tempo e eu tinha tanta raiva do narrador que ate abandonei, esse ano coloquei ele na minha lista de 12 livros para esse ano, vou tentar le-lo mais uma vez, quem sabe dessa vez minha raiva/nojo nao sejam o suficientes para me fazer desistir do livro.
    xoxo

  • Michelly Santos

    Oi Mi!
    Acho que ele quis dizer que lendo no original nós temos contato direto com o texto que saiu das mãos do Nabokov. Numa tradução, por melhor que seja (como é o caso dessa) uma coisa ou outra acaba se perdendo.
    Mas não acho tb que ler traduzido é um problema. Como já li em português, agora quero ter a experiência em inglês tb. 🙂
    Beijos!

  • Michelly Santos

    Oi Erika!
    É um dos livros mais desafiadores que já li, com certeza!
    Como vc disse, o tema é complicado e a forma romântica com que o livro é escrito deixa mais complicado ainda. Mas é maravilhoso, né?!
    Beijos!

  • Michelly Santos

    Oi Rudi!
    Está além do seu limite como assim? Se for intelectualmente falando não está não! Agora se for limites de assuntos que vc não gosta, aí respeito sua opinião. 🙂
    Beijos!

  • Rudi

    Oi Milly,
    Fiquei curioso sobre esse primeiro parágrafo, mas não tenho interesse em ler o livro, acho que ele está além do meu limite.
    Abraço!

  • Erika Rodrigues

    Oi Michelly! Lolita é a minha leitura atual e confesso que estou padecendo de sentimentos controversos com relação a esse livro. O pouco que já li é suficiente para concordar com você quanto a qualidade da escrita do autor e o quanto ele nos provoca a todo momento com essa narrativa.
    Acho que no geral é uma leitura desafiadora pela própria questão da pedofilia em si.
    Beijos
    http://www.numrelicario.com.br

  • Michelly Santos

    Oi Nanda!
    Bom saber que consegui ser neutra pq eu queria isso mesmo!
    É até difícil admitir isso, mas eu realmente acredito que o HH ama Lolita verdadeiramente, mas é óbvio que é errado e é óbvio que ele é um pedófilo. E aí o que mais me dá nojo nele é que eu tb acho que ele sabe que é errado mas coloca o sentimento dele acima de qq coisa, ou seja, além de um criminoso (pq um pedófilo é um criminoso e nós não devemos relativizar isso por motivo nenhum) ele é egocêntrico, egoísta ao ponto de achar que a vida de uma criança está à sua disposição, para que ele viva seu romance doente.
    Ao mesmo tempo que penso assim, sei que muita gente interpreta de outras formas e por mais que eu não concorde com algumas interpretações, tento respeitar. Ou pelo menos não polemizar! kkkkk
    Beijos!

  • Michelly Santos

    Oi Dafne!
    Super concordo com vc: é preciso ler Lolita com olhos críticos e armados contra a magia imposta pela narrativa do personagem principal. Ele é persuasivo mesmo.
    Vc falou sobre o consentimento da Lolita, e isso é algo interessante que eu não falei claramente na resenha, mas qd digo que não conhecemos a garota, é justamente isso. Se acreditarmos em tudo que HH fala, parece que ela provocava, que ela queria, que ela tb estava apaixonada por ele. Mas o próprio HH comete uns deslizes em sua narrativa e deixa escapar que ela chora escondida, por exemplo. Ou seja, eu acho mesmo que ele acredita que o sentimento dela por ele é recíproco, mas em momento nenhum acreditei nisso. Sempre vi uma Lolita assustada e sem saída.
    Mas com base em seu comentário eu posso te garantir que se um dia vc quiser ler esse livro, leia sem medo pq eu tenho certeza que vc não vai cair no papo do narrador!
    Nabokov tem outros livros de ficção sim, tem tb contos, tem livro de memórias e livros sobre literatura e escrita, inclusive onde ele analisa outros autores importantes, como Austen, Proust e Dostoiévski.
    Beijos!

  • Dafne Antunes

    Olá!! Gostei bastante de sua resenha! É a mais ponderada que já li sobre Lolita.

    Esse livro é por demais complicado, hein? Acho o livro um tanto perigoso, na verdade… Não que não possa ser lido, mas isso sempre deve ser feito com muito senso crítico. E, mesmo assim, não quero ler.

    Acho perigoso o fato de ele convencer (ou quase isso) o leitor… de algo que é melhor que ninguém seja convencido. Mesmo que houve consentimento, mesmo que a inocência de Lolita já tivesse sido roubada pela vida… isso não justifica que outra pessoa reitere essa situação. Então imagine alguém que o lê sem o tal do senso crítico!? Oh céus…

    Mesmo que o texto de Nabokov seja tão bom, tão bem escrito, pra mim o meio não justifica a mensagem. Mas quero ler algum outro livro do autor um dia, para conhecer sua escrita. Será que ele publicou outros livros de ficção?

    sonhos-e-suspiros.blogspot.com.br

  • Nanda Sales

    Só de pensar em ler Lolita já sinto uma aversão. Essa história é muito bizarra para a minha cabeça. Ainda não tenho coragem de ler a obra, quem sabe daqui a alguns anos.
    Gostei muito da resenha, achei bem neutra, você não romantizou nem detonou a história, a resenha foi no ponto certo.
    Beijinhos <3

    Toca da Lebre

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