A Outra Volta do Parafuso
Logo em suas primeiras páginas a história de terror psicológico de Henry James usa os elementos da natureza para mostrar a que veio: em uma noite fria, alguns amigos se reúnem para contar histórias de fantasmas. Um deles afirma ter a mais assustadora, mas pede para que o grupo se reúna outro dia para ouvi-la, pois ele precisa buscar o manuscrito que narra os tais fatos assustadores e, supostamente, reais.
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A Outra Volta do Parafuso é o que podemos entender como uma história dentro de outra história. Quando o primeiro narrador começa a ler o manuscrito que guardou por cerca de 40 anos, o leitor passa a ser guiado por uma mulher que não é nomeada em momento nenhum do texto. Ela acaba de conseguir um emprego como preceptora de duas crianças órfãs, um menino e uma menina, cujo tio não tem tato nem vontade de criar.
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Assim, nossa protagonista vai para a mansão onde inicia seu trabalho apenas com a menina, inicialmente. Tempos depois ela recebe uma carta do internato onde estava o garoto avisando que ele foi expulso por estar causando algum tipo de perturbação aos outros alunos. Contudo, ao conhecer a segunda criança, a preceptora estranha a abrupta expulsão já que ele se mostra tão gentil quanto sua irmã.
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Mas a narrativa começa a ficar realmente sombria quando a protagonista passa a ver um homem pela propriedade e descobre que é um ex-empregado da mansão que morreu há algum tempo. Ela fica ainda mais assustada quando descobre que ele teve um caso com a antiga preceptora das crianças, que também morreu e também começa a aparecer. Convencida de que a presença dos fantasmas está influenciando as crianças, as quais começam a apresentar um comportamento agitado e grosseiro, a preceptora vê as coisas tomarem rumos cada vez mais tenebrosos, culminando em um final abrupto e chocante, o qual deixa o leitor com mais perguntas do que respostas.
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É consenso no estudo literário o fato de que a narrativa em primeira pessoa não é confiável, visto que o leitor só tem acesso ao ponto de vista do protagonista, que nem sempre é honesto ou consegue enxergar a situação com o discernimento necessário para que tenhamos uma imagem fiel da realidade. Ao que tudo indica, o fato de Henry James ter feito essa escolha teve o propósito de provocar algumas reflexões e inúmeros questionamentos.
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Como a narrativa não nos dá a certeza de nada mas, ao contrário, apenas faz insinuações, ouso dizer que o mais importante desse livro não está no texto, em si, mas nas entrelinhas. Começando pelo título “a volta do parafuso”, expressão que em inglês já foi muito usada para demonstrar um ponto de virada, aquele momento onde uma atitude é necessária para alterar determinada situação. Em português seria algo como “a gota d’água”, o que pode significar o dilema da preceptora diante do iminente perigo às crianças ou até mesmo fazer menção ao final da história.
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A Outra Volta do Parafuso aguça a curiosidade do leitor e o tortura com a ausência de respostas, sendo este, talvez, seu grande trunfo. Uma breve pesquisa é suficiente para descobrirmos a existência de várias correntes de interpretação sobre a história de Henry James. A mais popular defende que estamos diante de uma obra sobre a loucura. Seguindo essa linha, a preceptora teria enlouquecido gradualmente até ser, ela mesma, a causadora da tragédia final.
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Aprofundando um pouco mais a análise mas ainda seguindo nessa linha, há quem diga se tratar de uma história de repressão sexual. Nesse caso, a loucura da protagonista teria sido causada por uma paixão avassaladora dela pelo tio das crianças. Um elemento da narrativa usado para provar essa teoria seria o fato da preceptora, durante todo o texto, arrumar desculpas para escrever para seu patrão contando o que estava acontecendo na mansão e, de quebra, se mostrar uma mulher cuidadosa, merecedora de seu amor. Entretanto devemos ser cautelosos com essa interpretação, já que houve um período da crítica literária no qual tudo era explicado pela repressão sexual.
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Por fim, há os que acreditam ser apenas uma história de fantasmas onde a ação final foi causada pela influência maligna dos ex-empregados do lugar. Ou seja, a velha e boa história de terror.
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Traduzida por Paulo Henriques Britto, responsável por traduções de outros nomes de peso como William Faulkner, Philip Roth e Ian McEwan, a edição da Penguin Companhia também traz um Posfácio escrito por David Bromwich, além de uma cronologia da vida do autor.
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Henry James escreveu A Outra Volta do Parafuso em 1898, publicando a história primeiramente como folhetim. Um fato no mínimo curioso diz respeito à existência de uma carta onde o próprio autor afirma a H. G. Wells que escreveu esse livro apenas para ganhar dinheiro, o que não parece possível diante da qualidade da obra. Independentemente de qual tenha sido a real intenção do autor, fato é que esse é um dos grandes clássicos da literatura de horror de todos os tempos. Um livro capaz de despertar sentimentos diversos em cada tipo de leitor. Simplesmente fantástico.
Autor: Henry James
Editora: Penguin Companhia
Nota: 5/5