Reler ou não reler: eis a questão!
Ítalo Calvino deixou um extenso legado na literatura mundial e uma de suas obras mais famosas é Por que ler os clássicos, onde defende que “os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: ‘Estou relendo…’ e nunca ‘Estou lendo…’ “. Esse trecho da obra de Calvino me chamou a atenção porque antes de conhecer o autor eu entendia que era uma “perda de tempo” reler livros.
E quando digo que reler seria uma perda de tempo, pensava na enorme quantidade de histórias que eu deixaria de conhecer enquanto estivesse revisitando outra que eu já conhecia. Mas o autor disse também outra coisa interessante e que me fez repensar: “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Apesar de o autor falar especificamente dos clássicos, passei a analisar a releitura de uma forma mais ampla, aplicada a todos os tipos de literatura.
Nós, leitores, vivemos uma luta interna contra a ansiedade de ler o máximo possível no tempo que nos for concedido. A cada dia surgem novas obras, novas traduções de grandes clássicos, novas e belíssimas edições, e é normal ter vontade de aproveitar tudo isso.
Esse sentimento de urgência me impediu, durante muito tempo, de reler livros. Eu queria conhecer outras histórias e quanto mais melhor. Mas os ensinamentos de Calvino me mostraram algo que, apesar de óbvio, eu não enxergava. Nós só podemos considerar um livro lido quando ele esgota o que tem a nos dizer naquele momento.
Quando li Crime e Castigo, por exemplo, o fiz com muita atenção e cuidado, tentando captar o máximo daquela obra magnífica que estava em minha frente. Logo, esgotei o que eu tinha a capacidade de tirar daquela obra naquele momento. Não significa que ela terminou de dizer o que tinha pra dizer, fui eu que cheguei no meu limite com ela.
Aí eu entendi o porquê da releitura. Fazendo essa reflexão percebi que por mais que você tenha aproveitado uma leitura, pode ser que no futuro ela te chame novamente, talvez até pra dizer coisas que ainda não havia dito. Tenho certeza de que quando eu me aventurar na releitura da trama de Raskólnikov, irei ter uma nova visão da obra, que não exclui o que já aprendi com ela, e sim, soma. Essa é a beleza da releitura e é por isso que reler livros não é uma perda de tempo.
Obviamente, esse não é o único motivo de se fazer uma releitura. Às vezes você quer ler para matar a saudade daquele livro, daquele universo, daqueles personagens. E tudo bem, isso também não é desperdiçar seu tempo. Quando a gente se livra de certas amarras, passa a aproveitar mais cada momento. No caso da literatura, quando me livrei das amarras de ler “tudo o que puder”, passei a desfrutar melhor a companhia dos livros.
Desde então, as experiências que tive com releituras de livros foram incríveis e me ensinaram ainda mais que da primeira vez que tive contato com eles. Já reli pra compreender melhor uma obra, já reli por saudade de uma história, já reli livros da infância pra enxergá-los com olhos mais maduros… E nada disso foi perda de tempo.
É claro que você não é obrigado a reler nada se não quiser, mas se tiver essa vontade aí no fundo do seu coração, se entregue à ela. Não deixe de revisitar uma história levado pelo sentimento de urgência que o mundo nos impõe, se dê a oportunidade de reviver aquela trama e de reaprender com ela.
Na verdade, tanto ler quanto reler são atividades maravilhosas e você não precisa se privar de uma em detrimento da outra. Pois então não se prenda à essa questão: releia, sim!
Um comentário
Kelly Oliveira
Oi Michely, ótimo texto!
Também tenho aprendido o valor da releitura e a fazer tudo no meu ritmo.
Abs.