O que é literatura para você?
Dia desses foi levantada uma discussão em um grupo de leitura que participo sobre o que as pessoas consideram ou não literatura. Desde então tenho pensado nisso pois confesso que nunca havia me aprofundado no assunto, mas ao observar opiniões bastante divergentes resolvi refletir melhor sobre o tema, e são as minhas considerações o que venho compartilhar contigo hoje.
No dicionário o termo “literatura” significa “a arte de escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso”. O que nos leva a pensar que qualquer trabalho escrito com o fim de contar uma história seria literatura. Contudo, muitos leitores defendem que há livros de pouco ou nenhum valor literário, e é a partir daí que começa minha reflexão: algo que não tem valor literário deve ser considerado literatura?
Para responder a essa pergunta precisamos entender o conceito de “valor literário”, o qual não tem ligação com o preciosismo gramatical mas sim com a intenção da obra. Um texto literário preocupa-se com a mensagem que será passada ao leitor, atribuindo significado e função às palavras. Já o texto não literário é aquele que busca apenas transmitir uma informação de forma direta, é o chamado texto referencial.
Um livro didático, por exemplo, é um exemplo de literatura referencial, ou seja, ele serve como instrumento para que você aprenda algo ou obtenha determinada informação. Até aí é fácil. Entretanto a questão começa a ficar um pouco mais complicada quando falamos de obras que aparentemente são literárias, como os livros de atividades, autoajuda e alguns escritos por youtubers, por exemplo.
Existem títulos atribuídos à youtubers que sem dúvida possuem valor literário, já que utilizam a função poética da linguagem para tentar transformar o sentido das palavras e transmitir uma mensagem. É o caso de Azeitona, do youtuber Bruno Miranda, e de Quinze Dias, do Vitor Martins, apenas para citar alguns exemplos.
Mas na outra ponta também existem aqueles lançamentos que geram um certo debate pois, segundo algumas opiniões, não estão imbuídos de um caráter puramente literário. É o caso de livros que trazem apenas atividades ou contam curiosidades sobre a vida dos autores – ou dos supostos autores, já que há os que se utilizam de ghost writers. Nesse grupo entram não só os livros de youtubers mas qualquer livro com essas características.
Depois de pesquisar um pouco mais sobre o tema e fazer algumas reflexões, cheguei à conclusão de que livros que têm o mínimo valor literário devem, sim, ser considerados literatura. Seja uma ficção propriamente dita ou seja até uma história real, como as biografias, que são classificadas como não ficção mas têm uma narrativa que não apenas conta fatos mas também transmite uma mensagem. Na mesma posição estão os livros de autoajuda e os livros de youtubers que possuem essas mesmas características.
Já livros de atividades ou aqueles que não buscam transformar palavras em mensagens mas apenas contar curiosidades ou passar informações, não são literatura no sentido mais estrito. Também entram aí os livros didáticos, as enciclopédias, e até alguns livros religiosos que apenas listam orações, por exemplo. Contudo, se o livro religioso busca passar uma mensagem e não apenas informar algo, deve ser considerado literatura.
Complexo isso, né?! Observe que aqui não faço um juízo de valor sobre a qualidade da narrativa, mas apenas observo um critério objetivo para defini-la como literária ou não.
Entendo que, às vezes, temos a impressão de que estamos vulgarizando a literatura ao aceitar obras pouco complexas como textos literários, mas a verdade é que esse julgamento não é feito pela razão, mas sim pela emoção, pelos nossos gostos pessoais. Dificilmente quem gosta de um livro do Felipe Neto, por exemplo, vai discutir se isso é ou não literatura. Para essa pessoa não há dúvidas, é e pronto.
Quem costuma levantar essas discussões é quem, por mínimo que seja, tem um certo preconceito com essas obras. E aqui faço uma mea culpa porque confesso que fiquei em dúvida sobre como classificar esse tipo de livro já que foge muito daquilo que leio. Mas deixando a emoção de lado e pensando com a razão, percebi que o fato de eu não gostar dos livros do Felipe Neto não é o suficiente para que eu afirme que não é literatura. Essa análise deve ser feita a partir de critérios objetivos e não da minha impressão sobre a qualidade da obra.
Logo, devemos compreender também que dizer que um livro não é literatura não é um xingamento. Só significa que ele não possui as características que definem o tal valor literário e tudo bem. Também vale frisar que popularmente chamamos de literatura tudo o que se inclui naquele conceito do dicionário que citei no início desse texto, e tudo bem também. A intenção desse post é aprofundar o assunto, não permanecer apenas na margem, afinal somos leitores e leitores mergulham fundo, procuram saber, debatem ideias.
Há ainda um ponto que quero levantar nessa discussão. As editoras lançam esses livros de maior apelo popular para “financiar” o lançamento de obras mais complexas, que vendem menos. A editora é uma empresa e se não tiver lucro, não tem como continuar funcionando. Haja vista a crise das livrarias, assunto que já tratamos aqui.
Além disso, os livros que talvez você não considere literatura por ter uma baixa complexidade podem servir de porta de entrada para novos leitores, o que é incrível. Lógico que o ideal é a pessoa “subir de nível” dentro da literatura como em tudo na vida (também já falamos disso aqui) mas se o leitor permanece a vida inteira no raso da literatura, aí também não é culpa dos autores ou das editoras que lançam os livros considerados “bobos”, mas sim do próprio leitor que não buscou evoluir ou até mesmo dos pais que não perceberam a oportunidade para incentivar seus filhos a ler outro tipo de obra.
Resumindo, livros que utilizam recursos linguísticos para transformar palavras de meras informações em mensagens são, para mim, literatura. Não significa dizer que eu goste de todos ou que eu ache que todos têm o mesmo valor, tanto porque, convenhamos que um Machado de Assis é muito superior à uma Kéfera (estou falando exclusivamente de valor literário). Você pode não gostar de Machado, assim como eu não gosto de Jorge Amado, por exemplo, mas reconhecer que existem níveis de literatura é algo óbvio e não representa demérito para ninguém, é só um fato.
Mas tudo isso que você leu foram as minhas reflexões com base nos conceitos que encontrei de literatura. Me conta agora, você já pensou sobre o assunto? O que é literatura para você?
2 Comentários
Renata
Eu concordo com a divisão que você fez e já tinha sim pensado no assunto, até porque estou fazendo um curso de mediação de leitura e tem uma parte que fala sobre a literatura. Mas na teoria é sempre mais fácil classificar.
Michelly Santos
Oi Renata!
Também faço um curso de mediação da leitura, vai ver é até o mesmo que você! Também estou estudando teoria literária e é interessante observar como vários pensadores definiram literatura através dos tempos! Acho esse um tema muito interessante! 🙂