As Esganadas
Com um estilo muito definido, Jô Soares é um autor que demonstra competência ao criar seus personagens, que são sempre tipos interessantes. É certo que ele pode soar meio repetitivo, visto que tem o costume de seguir a mesma fórmula em suas histórias, contudo não é nada que desabone a si enquanto profissional ou à sua obra, a qual conversa com todos os tipos de leitor. Além de serem sempre muito divertidas, claro.
As Esganadas é o quarto romance policial da carreira de Jô, tendo sido lançado em 2011. Mas a trama é ambientada no fim dos anos 1930, à época do Estado Novo, na cidade do Rio de Janeiro, onde mulheres gordas viram alvo de um serial killer. Mas, ao contrário da maioria dos livros desse nicho, seu diferencial reside no fato de que a identidade do assassino é revelada logo nas primeiras páginas da narrativa, quando o leitor passa a acompanhar os desencontros entre investigadores e psicopata, tudo muito bem temperado a pressões políticas e campeonatos de futebol.
Em meio às descrições minuciosas dos assassinatos das pobres mulheres, executadas com requintes de crueldade, há espaço também para o humor, responsável por trazer uma certa leveza ao texto. Entre ironias escrachadas, a que mais chama a atenção é a brincadeira com o fato de o brasileiro Calixto não ser muito inteligente enquanto o português Tobias Esteves é dotado desse dom. E é através de Tobias que conheceremos o jeito português de investigar um crime, segundo o próprio autor.
O que Jô Soares nos entrega é uma ficção que se mescla com a realidade ao citar crimes que, de fato, aconteceram, e ao inserir figuras reais, como Fernando Pessoa, Filinto Müller, Lourival Fontes e até Hitler, alguns participando ativamente da narrativa, outros apenas sendo citados.
O fato de escolher mulheres gordas como vítimas de seu assassino pode ser interpretado como uma crítica social, sobretudo quando levamos em consideração a forma que elas são mortas. Por outro lado, pode não passar de mais uma das ironias de Jô que optou por um humor que é caricato. E nisso reside mais um acerto da obra, que deixa ao leitor essa escolha, respeitando a interpretação de cada um.
Outra liberdade de interpretação fica a cargo do título da obra. As Esganadas pode se referir tanto à forma com que os assassinatos são cometidos, quanto à ânsia das vítimas por comida.
Na verdade, em vários momentos Jô Soares parece saber que interpretações são feitas a partir de nossas experiências e convicções pessoais, e ele demonstra respeito quando dá total liberdade ao leitor. É como se ele nos dissesse: a obra é minha, mas o que você vai tirar dela, só depende de você. Em meio a tantos autores que tentam direcionar o pensamento dos leitores para onde lhes convém, essa liberdade é muito bem-vinda.
Apesar de ser um livro lançado há apenas 7 anos, As Esganadas atinge o objetivo de nos levar de volta ao passado. Detalhes na linguagem utilizada na narrativa nos transporta aos anos 30, descrições bem realizadas nos levam a um passeio pelo Rio de Janeiro daquela época e os personagens possuem uma certa ingenuidade que talvez hoje esteja perdida.
Ler Jô esperando algo completamente diferente do que ele gosta de fazer, é a receita para o fracasso. Ao escolher um livro do autor, tenha em mente que ele entrega exatamente o que promete: figuras interessantes, situações divertidas e um enredo mirabolante. E nisso ele é, de fato, muito bom.
Autor: Jô Soares
Editora: Companhia das Letras
Nota: 4/5